Na última semana, a Prefeitura de Campo Grande instituiu o uso de máscara cirúrgica por profissionais da saúde e pacientes com suspeita de tuberculose pulmonar nas unidades de saúde da Capital. Para o médico infectologista Julio Croda, a medida não será eficiente para frear a doença, já que a maioria dos casos ocorre em presídios do Estado.

A publicação do Diário Oficial de Campo Grande (Diogrande) aprova, por meio da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau), novas medidas para tentar conter os casos de tuberculose na Capital.

Nos primeiros quatro meses deste ano, de janeiro a abril, já foram registrados 156 casos novos de tuberculose em Campo Grande, quase 30% do total de casos do ano passado, em que 559 ocorrências foram notificadas ao longo de todo o ano.

De acordo com Croda, a medida mais eficaz seria prover assistência a pessoas privadas de liberdade nos presídios de Mato Grosso do Sul, local com principal foco de transmissão da tuberculose pulmonar. No entanto, a medida é direcionada apenas às Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e aos Centros Regionais de Saúde da Capital.

“A medida mais eficaz é apoiar o projeto que executamos no presídio. Precisamos ampliar o acesso aos outros presídios e também cuidar dos contactantes”, explica o médico da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Croda destaca que muitas pessoas que são privadas de liberdade ficam por pouco tempo na prisão, mas têm contato com pessoas já infectadas com a tuberculose e contraem o vírus nos presídios. Ao sair, o novo infectado pode transmitir a doença para familiares e demais pessoas da população em geral.

“Para as pessoas privadas de liberdade que ficam por pouco tempo na prisão, é preciso, quando saírem, que a Atenção Primária possa visitar o domicílio. Avaliar o ex-privado de liberdade e seus familiares e eventualmente testar para tuberculose latente o ex-privado de liberdade e tratar”, detalha Croda.

O contágio e o tratamento de tuberculose entre pessoas privadas de liberdade em MS são investigados por um grupo de pesquisa coordenado por Julio Croda, também professor de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

Atualmente, o grupo de pesquisa atua em dois presídios masculinos de regime fechado de Campo Grande. Os locais apresentam uma das maiores incidências de tuberculose do Estado. Com o estudo, é oferecido diagnóstico precoce, tratamento e assistência às pessoas privadas de liberdade.

Ao longo de uma década de pesquisa, mais de 10 mil pessoas foram atendidas. Uma das descobertas é que a incidência da tuberculose entre os presos é cerca de 100 vezes maior do que na população em geral.

“Identificamos que a triagem para doença ativa e latente no momento da saída do sistema pode ser uma intervenção a ser empregada para diminuir a transmissão para a comunidade. Contudo, é importante destacar a necessidade do fortalecimento das ações da Atenção Primária à Saúde, na investigação de casos na comunidade, principalmente entre familiares de privados de liberdade que visitam as unidades”, analisa Croda.

Conforme o infectologista, a tuberculose é um problema crônico de saúde agravado pela situação de extrema vulnerabilidade nos casos de pessoas presas.

O ambiente dos presídios se torna ideal para a disseminação da bactéria da tuberculose (Mycobacterium tuberculosis), já que os locais de reclusão social têm celas superlotadas, assistência de saúde inadequada, uso de álcool e diversas comorbidades entre os apenados.

Segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES), no ano passado, Mato Grosso do Sul registrou 1.482 novos casos da doença, número que representa um aumento de 27,3% em relação a 2021, ano em que o Estado registrou 1.164 novos casos.

A Pasta ainda divulgou ao Correio do Estado que no ano passado a cobertura vacinal do imunizante bacilo Calmette–Guérin (BCG) contra tuberculose ficou em 84,07%.

Este ano, a cobertura vacinal totaliza 57,15% do público-alvo, que abrange recém-nascidos e crianças até cinco anos de idade, além de pessoas de qualquer faixa etária que convivam com portadores de hanseníase (lepra).

DECRETO

No dia 9 de abril deste ano, a prefeitura publicou no Diário Oficial novos critérios de prevenção da transmissão de tuberculose nas Unidades de Pronto Atendimento e nos Centros Regionais de Saúde da Capital.

A Sesau instituiu o uso obrigatório de máscaras N95/PFF2 por profissionais de saúde em todos os ambientes clínicos com casos suspeitos de tuberculose pulmonar ou comprovados laboratorialmente ou por exames de imagem.

Além disso, os hospitais devem oferecer máscaras cirúrgicas para todos os pacientes com sintomas respiratórios ou suspeitos de tuberculose que não estejam em locais de isolamento.

Após a publicação, os pacientes com a doença ou suspeitos devem ter atendimento prioritário nas unidades de saúde e ainda permanecerem em quartos privativos, em isolamento, com portas fechadas e janelas abertas para circulação de ar. As visitas também deverão ser suspensas, assim como a circulação de pacientes fora dos quartos.

“Na falta de quartos suficientes, pode ser aceita a colocação de mais de um paciente no quarto, desde que apresentem tuberculose confirmada e sem suspeita de resistência medicamentosa. O tratamento reduz rapidamente a transmissibilidade, a partir de duas semanas de tratamento o paciente deixa de ser bacilífero”, explica a Sesau em nota.

ESTUDO

Em atividade desde 2013, o estudo “Estratégias para Controle de Tuberculose nas Prisões” teve financiamento americano do National Institutes of Health, em parceria com o pesquisador da Universidade de Stanford, na Califórnia, Jason Andrews. Também foram firmados termos de cooperação com a agência que administra as prisões no Estado e com a SES.

Atualmente, a equipe tem em torno de 40 membros, que incluem colaboradores bolsistas, médicos, enfermeiros, biólogos e farmacêuticos da UFMS, da Fiocruz e da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO