Concomitantemente aos debates e cobranças da sociedade feitos ontem durante audiência pública na Câmara Municipal de Campo Grande para que crimes bárbaros como os cometidos contra a menina Sophia Ocampo, de apenas 2 anos, não se repitam em Mato Grosso do Sul, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) discutia em reunião a criação e implementação de uma sala de atendimento à criança vítima de violência.

Na prática, o Estado só propôs, por ora, medidas para atendimento às vítimas após os crimes serem consumados, o que, de forma imediata, não é suficiente para evitar que crianças e adolescentes continuem sendo as maiores vítimas de violência sexual em MS.

Acompanhado do marido Igor de Andrade e da ex-sogra e avó materna de Sophia, Delziene da Silva de Jesus, Jean Ocampo destacou que tentou todos os meios legais para preservar a saúde da filha.

Ele salientou que recorreu a boletins de ocorrência e, enquanto lidava com a burocracia do sistema judiciário para solicitar a guarda da criança, ela morreu antes que o processo fosse resolvido.

Ele disse ainda que apresentou diversas provas para obtenção da guarda e que acredita que houve “homofobia velada” para a não concessão do pedido, pelo fato de ser casado com outro homem.

“Nós estamos buscando justiça pela Sophia e nós queremos que haja facilidade de acesso aos órgãos que protegem a criança. Porque é muito difícil, você vai em um lugar solicitar ajuda e acaba sendo encaminhado para outra esfera, e a nossa maior dificuldade era a comunicação entre os órgãos competentes. Então, que todos falem uma só voz, que todos tenham um objetivo só, que é a proteção da criança”, pediu Jean Ocampo.

Ao Correio do Estado, Delziene da Silva de Jesus disse que está sofrendo pela morte de Sophia, mas também porque cortou o contato com sua filha desde o dia da morte da neta, já que não visitou Stephanie na prisão em que está sendo mantida.

“Infelizmente é uma dor dobrada para mim. O que está lá, para mim [Stephanie], é só um ser que ficou ali”, declarou, referindo-se ao fato de que não reconhece a mãe de Sophia como sua filha e não a perdoa pela morte da neta.

CASA DE PROTEÇÃO

Na manhã de ontem, o titular da Sejusp, Antônio Carlos Videira, apresentou na Casa da Mulher Brasileira um projeto para a construção de uma Casa da Criança, que atenderá os casos de violência contra o público menor de 12 anos.

“Vamos protocolar quais seriam os setores que sofreriam alguma modificação, gerar este documento e, se for deliberado, correr atrás da estrutura necessária”, declarou Videira.

Conforme as primeiras tratativas anunciadas, está prevista uma nova reunião do conselho gestor com a Sejusp no dia 23. Na data, ocorrerá a deliberação favorável ou contrária à criação do núcleo de atendimento à criança.

A proposta inicial é que, a partir do mês de março, seja implementada uma “salinha” da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA) na Casa da Mulher Brasileira, que conta hoje com a Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (Deam).

CASO SOPHIA

As movimentações do governo do Estado e da Prefeitura de Campo Grande para apresentar soluções para garantir a segurança de crianças e adolescentes se deram por conta do caso de Sophia Ocampo, que morreu no dia 26 de janeiro deste ano.

A criança foi levada para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Coronel Antonino após ser agredida pela mãe, Stephanie de Jesus da Silva, de 24 anos, e pelo padrasto, Christian Campoçano Leitheim, de 25 anos.

Christian também é responsável por ter estuprado a criança, crime já comprovado pelo laudo necroscópico emitido pelo Instituto de Medicina e Odontologia Legal (Imol).

Christian e Stephanie se tornaram réus por homicídio triplamente qualificado, por motivo fútil, contra menor de 14 anos e meio cruel, e o padrasto foi denunciado pelo crime de estupro de vulnerável.

A mãe também foi denunciada por homicídio doloso por omissão, já que só encaminhou a menina à UPA após a constatação de sua morte.

MUDANÇAS

Em entrevista exclusiva ao Correio do Estado, a juíza da Vara de Infância, Juventude e do Idoso de Campo Grande, Katy Braun do Prado, destacou que o caso Sophia deve desencadear uma série de mudanças no fluxo de atendimento do Conselho Tutelar.

“Todos os órgãos envolvidos neste caso estão fazendo uma reflexão e revisando os processos para verificar se houve uma omissão e se algo a mais poderia ter sido feito”, afirmou Katy Braun.

“Em relação ao Conselho Tutelar, por exemplo, nós já conseguimos desenhar um novo fluxo de atendimento com a Polícia Militar, que a gente imagina que vai tornar mais ágil o atendimento das crianças em situação de risco”, complementou a juíza.

CONSELHO TUTELAR

Questionado sobre as falhas apontadas pela advogada que representa o pai de Sophia, Janice Andrade, o presidente da Associação dos Conselheiros Tutelares de Mato Grosso do Sul, Adriano Vargas, limitou-se a declarar que o Conselho Tutelar não tem a competência, por lei, para retirar a criança dos cuidados do responsável legal denunciado.

“A atribuição de guarda é uma competência exclusiva do Poder Judiciário, e, por este motivo, o pai foi encaminhado pela Defensoria Pública para entrar com a ação de guarda. Já tivemos autonomia de trocar a guarda, mas, por orientação do Ministério Público, não temos mais”, disse Vargas.

Durante a audiência pública, foi estipulada a busca pela ampliação dos conselhos tutelares para pelo menos nove, atendendo à resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente em que é definido que cabe aos municípios criarem um Conselho Tutelar para cada 100 mil habitantes.

Atualmente, há apenas cinco conselhos tutelares em Campo Grande, a metade do que é recomendado, considerando que, hoje, a Capital tem 942,1 mil habitantes. (Colaboraram Mariana Moreira, Bianka Macário e Naiara Camargo)

Saiba: Dados da Sejusp apontam que, entre os dias 1º de janeiro e 15 de fevereiro deste ano, Mato Grosso do Sul registrou 141 casos de estupro contra crianças de 0 a 12 anos.

Em relação aos adolescentes, 67 pessoas de até 17 anos sofreram violência sexual em 2023. Juntos, os dois grupos representam 83,53% dos 249 estupros contabilizados no Estado até esta quarta-feira (15).

Fonte: Correio do Estado