O quarto dia de festival Rock Brasil 40 Anos, que reúne os maiores nomes do BRock no Rio de Janeiro, foi o primeiro a ter um dono. Até então, todos os dias o público se distribuía entre as quatro atrações (e a última ficando com a pista ligeiramente esvaziada). Na noite do último sábado (24), a mais cheia e mais jovem, praticamente todo mundo que foi à Marina da Glória era por causa do Capital Inicial, que fechou a noite. Foi a primeira vez em que não houve grande evasão de público durante a última atração – o horário realmente não ajuda, com shows começando quase duas da manhã.
Quem diria. O Capital, que nos anos 80 fazia parte da série b do BRock, passou por uma fase de quase ostracismo nos anos 90, para ressurgir no final da década como um dos maiores nomes do rock nacional, impulsionados pelo Acústico MTV, que vendeu como água e renovou o público da banda. E até hoje Dinho Ouro Preto, Fê e Flávio Lemos e Yves Passarell colhem os frutos das pazes com o sucesso, como se viu no evento.
Léo Jaime abre a noite se divertindo como sempre
Léo Jaime, a face mais irreverente do BRock, faz seus shows com o puro intuito de se divertir e não tem problema nenhum com isso. O show que abriu os trabalhos na noite de ontem no Rock Brasil 40 Anos não seria diferente. E ainda era aniversário dele. O cara mais gente boa do Rock Brasil abriu com cover de ‘Moby Dick’ do Led Zeppelin e emendou em ‘Eu Vou Comer a Madonna’. Após ‘Ilegal, Imoral ou Engorda’, revelou que era seu aniversário e disse que o presente é o público, que cantou parabéns para ele.
Entre sucessos (‘A Vida Não Presta’, ‘Rock Estrela’ com snipet de ‘Come As You Are’ do Nirvana, ‘Nada Mudou’ com inserção de ‘Back On The Chain Gang’ do Pretenders, ‘O Pobre’) e covers (‘Popstar’ do João Penca e os Miquinhos Amestrados, ‘Uma Mensagem de Amor’ dos Paralamas do Sucesso, ‘Boys Don’t Cry’ do The Cure e ‘Será’, da Legião Urbana) Léo costurou um setlist divertido, no entanto, em outro festival da Peck Produções, a Oktoberfest Rio, ele criou um show mais interessante, com direito até a números de dança, ainda no embalo da vitória na Dança dos Famosos.
O show terminou com ‘A Fórmula do Amor’ com o filho Davi Jaime no baixo a estreia do rebento. Mas como a plateia pediu mais um, ele topou tocar ‘Sônia’. Um show econômico mas que cumpriu bem a função de abre-alas no salão.
Humberto Gessinger faz um seguro revival de Engenheiros do Hawaii
Se havia alguém com cacife de rivalizar com o Capital o título de dono da noite, era Humberto Gessinger. A bordo de seu vasto repertório de sucessos da fase Engenheiro do Hawaii, sobretudo a que contava com a formação clássica com Carlos Maltz e Augusto Licks, Gessinger encontrou um número bastante numeroso de fãs.
‘Infinita Highway’ abriu a apresentação com coro da plateia. Foi seguida de ‘Partiu’, do disco solo de 2019, “Não Vejo a Hora”. Conforme Gessinger anunciou, seu “plano de voo” mesclaria canções de diversas fases de sua carreira, com os Engenheiros (1986 – 2007) e solo (2013 até hoje). Daí vieram ‘A Revolta dos Dândis’ e ‘Ando Só’, que ganhou um andamento eletrificado. O setlist avançou com mais Engenheiros na dobradinha ‘Refrão de Bolero’ e ‘Somos Quem Podemos Ser’, que antecederam uma canção já da fase solo, ‘Armas Químicas e Poemas’, do álbum “Insular Ao Vivo”, de 2015. Gessinger conta com o apoio no palco de Felipe Rotta na guitarra e Rafael Bisogno na bateria.
O set acústico trouxe mais uma do disco solo de 2019, ‘Bem A Fim’, que emendou em ‘Perfeita Simetria’ do disco dos Engenheiros “O Papa É Pop” (que na verdade é a faixa-título com outra letra e andamento). O segmento violão seguiu com ‘3ª Do Plural’ e ‘3X4’. Voltando ao elétrico, uma do pouco lembrado álbum “Dançando no Campo Minado”, de 2003. Ainda da fase anos 2000 dos Engenheiros veio ‘Surfando Karmas & DNA’, faixa-título do disco de 2002, ‘O Preço’, do Acústico MTV de 2004, e ‘Eu Que Não Amo Você’ do “Tchau Radar!” de 1999.
Na reta final da apresentação, a fase clássica dos Engenheiros Empunhando uma guitarra-baixo Humberto introduziu ‘Pra Ser Sincero’, acompanhado em coro pela plateia, emendada em ‘Terra de Gigantes’. Após a menos conhecida ‘Pose’, do álbum “Gessinger, Licks & Maltz” de 1992, o show se encerrou com ‘Toda Forma de Poder’, a primeira música da banda a estourar, em 1986. A recepção calorosa da plateia durante toda a apresentação mostrou que o poder de fogo do gaúcho (que agora conta com dois músicos de apoio, os jovens , mesmo que ainda muito apoiado no sucesso de sua ex-banda, continua intacto.
Tributo a Rita Lee transforma a Marina da Glória em pista de dança
A rainha do rock Brasil – que, sim teve muita importância nos anos 80, apesar de ser de uma geração anterior – ganhou um belo tributo no festival na noite de sábado. O projeto Celeebration trazia o filho da cantora, Beto Lee, junto com o famoso grupo de covers clássicos, o Celebration. A junção não poderia resultar em outra coisa que não fosse transformar a Marina da Glória em uma pista de dança ao som dos sucessos de Rita de diversas fases, incluindo Mutantes.
Capital Inicial faz show condizente com seu status
Quem foi à Marina da Glória especialmente (ou só) para ver a banda de Brasília foi recompensado com a habitual saraivada de hits radiofônicos. O Capital Inicial, que surgiu nos anos 80 sob a sombra dos Paralamas, Titãs e sobretudo da Legião Urbana (ambas as bandas são derivadas do Aborto Elétrico, que Renato Russo formava com o baterista Fê Lemos). Na virada do milênio alcançou o auge do sucesso emergindo para o time prime do Rock Brasil. Daí, não é de se estranhar que fosse a noite mais concorrida e com o público tomando todo o espaço até mais de 3 horas da manhã.
‘O Passageiro’, versão em português de ‘Passenger’ de Iggy Pop, com um acento mais bluesy, abriu os trabalhos, com a recepção mais calorosa vista no festival até agora. Em seguida veio ‘O Mundo’ acompanhada em coro efusivo pela plateia. Após à mais ou menos recente ‘Depois da Meia-Noite’, do álbum “Das Kapital”, de 2010, um outro clássico, ‘Todas As Noites’, de 1991,‘Tudo Que Vai’, a primeira da noite do Acústico MTV, álbum que deflagrou a entrada definitiva do Capital na elite do rock nacional, e ‘Eu Vou Estar’.
Dinho Ouro Preto lembrou de quando a banda veio ao Rio para participar de um programa na Rádio Fluminense FM, importante alavanca no movimento roqueiro do Brasil nos anos 80. A música que se seguiu foi a primeira que o Capital tocou na emissora de Niterói, ‘Leve Desespero’.
Após ‘Olhos Vermelhos’, Dinho regeu um coro de vozes e mãos levantadas (o maior do festival) em ‘Primeiros Erros’, o célebre cover de Kiko Zambianchi carro-chefe do Acústico. A comunhão palco e plateia continuou na seguinte, ‘Não Olhe Pra Trás’.
Ao lembrar Renato Russo, maior talento da geração, nas palavras de Dinho, iniciou-se o segmento anos 80 com ‘Música Urbana’, ‘Fátima’, ‘Veraneio Vascaína’, cover de ‘Que País É Esse’ da Legião (com os já esperados gritos contra Bolsonaro) e ‘Independência’. De volta aos anos 2000, vieram ‘Natasha’ e ‘À Sua Maneira’. A versão brasileira de ‘Música Ligera’ do Soda Stereo fecharia o show, mas a plateia não deixou. Daí, sem saidinha para voltar em um bis, a banda tocou a balada ‘Fogo’. Na sequência, Dinho anunciou uma música de uma banda de Brasília – “a gente é meio bairrista”, brincou. O cover de ‘Mulher de Fases’ dos Raimundos, que puxou de volta quem já estava se dirigindo para a saída. E olha que já eram 3 da madrugada.
No fim, a plateia ainda pediu mais uma. Dinho parecia não querer sair do palco. O vocalista pediu então que fosse à capela. E encerrou o empolgante show cantando, apoiado pelo coro da plateia, ‘Por Enquanto’, da Legião, que traz na letra os bem apropriados versos “E nem desistir nem tentar/Agora tanto faz/Estamos indo de volta pra casa”. E o Capital deixou o palco deixando mais uma amostra de seu peso junto ao público na cena rock brasileira.
Fonte: Ambrosia