De Liam Neesonmania a John Wick, o subgênero dos filmes de justiceiro e matador aposentado parece mais popular do que nunca, e uma forma esotérica de explicar esse sucesso seria entendê-lo como metáfora: à indústria claudicante de Hollywood só resta se refugiar na ideia dos velhos batendo em gente nova para fazer valer sua vontade. Nesse nicho, Denzel Washington cavou para si um lugar especial com os filmes inspirados na série de TV O Protetor, que agora chegam ao terceiro longa-metragem.

Washington não tem a destreza das artes marciais ao seu lado. Em O Protetor 3, vemos Robert McCall enfrentando a máfia napolitana com uma violência muito mais insinuada do que ostensiva; o anjo da morte, vestido de preto, assassina os seus vilões com golpes saídos das sombras, e o rastro de destruição de McCall muitas vezes o precede. Para quem espera uma narrativa de impacto e efeitos como a de John Wick, pode ser uma experiência frustrante, porque em O Protetor 3 o que importa é a gravidade e a promessa, mais do que a violência em si.

Na era do CGI e das substituições de computador, a arma que Denzel Washington tem em mãos parece quase circense: a primazia da performance. Com o mesmo cuidado que McCall dispensa ao seus guardanapos sobre a mesa, o ator realiza seu gestual nervoso num ritual absolutamente metódico e pensado, e essa teatralidade tem o sabor das coisas antigas, artesanais. Sempre que trabalha com o ator, o diretor Antoine Fuqua parece lapidar um pouco mais um ensinamento que os dois compartilham desde Dia de Treinamento (2001): presença de cena é tudo.

Neste terceiro filme, a presença de cena ganha um reforço considerável de outro elemento de profunda teatralidade: as encostas da ilha da Sicília onde os italianos há séculos transformaram rochas e mares em história. Os melhores momentos de O Protetor 3 são todos de preparação: McCall chegando ferido à vila onde reaprenderá a caminhar, a respeitar o tempo do lugar. Seu ritual cronometrado parece uma coisa ridícula quando deslocado da correria do espaço urbano; desse choque de adaptação o filme tira todo o drama que consegue conjurar.

O drama não rende tanto quando perde esse foco; isso fica claro na subtrama da CIA que se concentra na cidade de Nápoles, que se prestaria a agradar os nostálgicos de Tony Scott, refazendo o encontro de Denzel Washington e Dakota Fanning quase 20 anos depois de Chamas da Vingança (2004). A subtrama não ganha tração, porém, e sua função de exposição (conectar os pontos entre os heróis e os vilões) soa desnecessária à medida em que a missão de McCall é mais e mais facilitada pela vilania ostensiva dos seus antagonistas. O Protetor 3 ganharia muito se permanecesse na vila de pescadores e lidasse, como um filme de cerco, com os impactos nesse ambiente da violência que McCall carrega consigo, consciente ou inconscientemente. Fazer desse anti-herói uma figura trágica como o William Munny de Os Imperdoáveis (1990), porém, não é do interesse dos realizadores.

A diluição do filme na sua metade final não o desabona tanto. Dada a importância do cinema do italiano Roberto Rossellini, é muito provável que Fuqua tenha assistido a Stromboli (1950) alguma vez na vida; o choque de Ingrid Bergman tentando se adaptar ao tempo e à crueza da vila vulcânica de pescadores tem muito em comum com essa força que O Protetor 3 acumula no crescendo que resultará no seu confronto de clímax. De qualquer forma, a Sicília se presta muito facilmente a essas narrativas civilizacionais, de constituição do tempo, de enfrentamento do homem com o mundo.

Mais seguro é apostar que Fuqua decorou as batidas fortes de O Poderoso Chefão, de quem O Protetor 3 pega emprestado não apenas a inclinação para a fotografia barroca e de alto contraste mas também algumas imagens consagradas para coroar seu desfecho: os close-ups em homens de olheiras profundas, o plano aéreo da barraca de frutas na cena da execução, a montagem cruzada do plano de vingança e da solenidade católica. Qualquer filme que passe pela Sicília parece devedor de filmar o máximo de imagens sacras que puder, de qualquer forma, e nesse processo O Protetor 3 também parece fiel a uma noção antiga de presença e teatralidade.

Fonte: Omelete