Os MEIs (microempreendedores individuais) já representam 10% dos contribuintes da Previdência Social no país, mas apenas 1% da arrecadação do regime geral, num indicativo de que a ampliação do regime tributário simplificado acabou fragilizando a base de arrecadação do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

A conclusão é apresentada pelos pesquisadores Rogério Nagamine Costanzi, ex-subsecretário do Regime Geral de Previdência Social, e Mário Magalhães, cientista social e assessor do Departamento do RGPS no Ministério da Previdência Social, em artigo publicado pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas)

O dado é considerado preocupante, sobretudo em um contexto de déficit na Previdência. O rombo do INSS chegou a R$ 261,3 bilhões em 2022, o equivalente a 2,7% do PIB. Quanto maior é esse desequilíbrio, maior é o esforço que o governo precisa fazer para arrecadar outros tributos e gastar menos com as demais políticas para conseguir manter as contas em trajetória saudável.

Neste ano, por exemplo, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) prevê um déficit de R$ 107,6 bilhões, mas o rombo na Previdência é estimado em R$ 261,4 bilhões —com tendência de alta, por causa do novo reajuste do salário mínimo.

Além da erosão das receitas da Previdência Social, a expansão acelerada do MEI não levou a maiores índices de formalização. Segundo os autores, houve uma migração de pessoas que já eram contribuintes da Previdência em outras modalidades, como trabalhador com carteira assinada ou contribuinte individual sem subsídio (que paga alíquota de 11% ou 20%, dependendo da modalidade).

Os pesquisadores defendem mudanças no regime para barrar a expansão acelerada desse tipo de segurado, promover “correção de rumos” e minimizar prejuízos “normalmente negligenciados pelos interesses eleitorais de curto prazo”.

O MEI foi criado em 2008 sob a bandeira de tirar empreendedores da informalidade. O principal atrativo do modelo é o acesso a benefícios como aposentadoria e auxílio-doença mediante o recolhimento unificado de tributos federais, estaduais e municipais, com alíquotas subsidiadas.

A parcela da Previdência, por exemplo, corresponde a 5% do salário mínimo (hoje em R$ 1.302), o equivalente a R$ 65,10 mensais. A cobrança é menor do que a incidente sobre trabalhadores com carteira assinada, que pagam entre 7,5% e 14%, sem contar a contribuição do empregador, de 20% sobre o valor do salário. O desconto para os trabalhadores é feito por meio de um cálculo progressivo, conforme as faixas salariais.

Diante das facilidades, o regime do MEI tem atraído um número cada vez maior de inscritos. No fim de 2022, eram 14,8 milhões de microempreendedores, embora nem todos mantenham suas contribuições em dia.

O Congresso também facilitou as condições para que mais trabalhadores pudessem se enquadrar na categoria, elevando o limite de faturamento anual dos originais R$ 36 mil para R$ 81 mil no fim de 2021
—um ganho de 125%, mais que a inflação do período (112,15%).

Já há projetos em tramitação no Congresso para ampliar ainda mais esse limite, com valores entre R$ 130 mil e R$ 145 mil —com impactos sobre a receita tributária do governo.

Os pesquisadores mostram que, entre 2011 e 2021, o número médio mensal de contribuintes do INSS teve um aumento de 13,4%, mas o principal ganho veio dos MEIs, cuja expansão foi de expressivos 764,2% no mesmo período. Eles saíram de uma média de 581 mil contribuintes mensais em 2011 para 5 milhões ao final do período.

Enquanto isso, houve queda em modalidades como empregado doméstico com carteira (-13,3%) e contribuinte individual com plano completo, sem subsídio (-3,7%). A média de contribuintes entre trabalhadores com carteira assinada, público que reúne o maior número absoluto de segurados do INSS, subiu no período, mas em ritmo mais tímido: 6,2%.

“A mudança muito expressiva na composição dos contribuintes individuais também reforça os indícios de que parte relevante do MEI não necessariamente pode ser considerada como redução da informalidade”, diz o artigo.

“Uma parcela relevante pode ser atribuída à migração das categorias de contribuintes que não gozam de subsídios, o que fragiliza o financiamento do RGPS, reduz a proteção social trabalhista, amplia os desequilíbrios atuariais do RGPS e não traz ganho estrutural ou relevante em termos de cobertura previdenciária.”

Outro indício de que o MEI não impulsionou a formalização é o fato de que a cobertura previdenciária medida pelo IBGE pouco se alterou nos últimos anos. No fim de 2022, a Pnad Contínua indicava que 64,7% dos trabalhadores contribuíam para a Previdência, patamar até inferior aos 66% observados no fim de 2015.

MIGRAÇÃO

Em outro estudo, Nagamine havia detectado que 56% dos MEIs inscritos entre 2009 e 2014 já haviam realizado alguma contribuição à Previdência Social em momento anterior ao seu ingresso no regime simplificado, percentual que sinaliza a migração expressiva de trabalhadores.

Como resultado, o MEI vem crescendo em participação no número total de segurados da Previdência. Em 2011, os microempreendedores eram 1,2% da média mensal de contribuintes do INSS. Em 2021, a proporção subiu a 9,3%.

Quando considerada a quantidade de segurados que fizeram ao menos uma contribuição no ano, os MEIs representavam 1,6% do total do RGPS em 2011 e 10,6% uma década depois.

“Esse forte incremento da participação do MEI no total de contribuintes do RGPS já vem provocando efeitos deletérios na arrecadação do referido regime. Em 2021, por exemplo, a receita decorrente do MEI representou apenas 0,98% da receita do RGPS”, diz o estudo.

Em 2022, essa proporção não mudou de forma significativa. A arrecadação com os microempreendedores ficou em 1,05% do total recolhido pelo INSS.

A preocupação dos pesquisadores existe porque, no futuro, ao preencherem os requisitos mínimos de aposentadoria, os microempreendedores terão direito a um benefício no valor de um salário mínimo —ainda que seu esforço contributivo tenha sido menor que o dos demais trabalhadores.

“Tudo indica que esse processo de migração vem afetando negativamente, e em proporção não desprezível, o equilíbrio financeiro do RGPS, considerando que a alíquota do MEI é extremamente subsidiada do ponto de vista atuarial, com suas despesas superando em muito suas receitas.”

A arrecadação líquida do RGPS como proporção do PIB era 5,16% em 2007 e chegou ao pico de 5,84% do PIB entre 2014 e 2015, quando passou a cair continuamente. Em 2021, ficou em 5,19% do PIB, retomando o patamar de 14 anos antes.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO