Em seu primeiro mandato como deputado estadual, o economista Pedro Pedrossian Neto (PSD) quer ampliar o debate sobre um tema que tem despertado sua preocupação: a reforma tributária.

Não que a proposta, segundo ele, não seja boa, mas é porque ela pune alguns trunfos econômicos do Estado, como a crescente industrialização, e traz uma taxação maior dos alimentos que compõem a cesta básica.

“O setor agropecuário vai ter elevação de carga tributária”, afirma.

Gostaríamos que o senhor descrevesse a proposta que deve ser levada para votação no Congresso Nacional de uma forma mais simplificada.

Nós temos, hoje, pelo menos três grandes propostas de reforma tributária na lista. Uma é a PEC 45, que vai criar o IBS [Imposto sobre Bens e Serviços]; a outra é a PEC 110, que cria um IBS, só que não um IBS único: ela cria um IBS federal e um IBS estadual, que junta a tributação de estados e municípios. É a proposta do IVA dual, o Imposto sobre Valores Adicionados.

O IBS é um imposto sobre valores adicionados, um sistema de débitos e créditos, então, criaria-se um IBS dual ou IVA dual nessa segunda proposta. A PEC 110 está no Senado, a PEC 45 está na Câmara.

Uma terceira proposta, que corre por fora e não tem a mesma adesão, é a proposta do chamado Simplifica Já. A PEC 45 é a proposta mais ambiciosa, porque ela vai tratar da unificação de todos os impostos sobre o consumo.

Importante dizer o seguinte: nós estamos falando sobre impostos sobre consumo, tá? ICMS, ISS, PIS, Confins e IPI, tudo vira IBS.

Ele é administrado de maneira tripartite. Todos teriam responsabilidade na fiscalização, é um imposto único nacional. Ele unifica impostos, simplifica a carga tributária, simplifica a complexidade. Ele vai nivelar a carga tributária dos diversos setores.

Hoje, no Brasil, você tem uma distorção: a indústria está muito tributada, os produtos da cesta básica estão pouco tributados e o setor de serviços está pouco tributado em comparação à indústria.

Por exemplo: a carne bovina paga 4% porque tem uma preferência do legislador em colocar alimentos com preços mais baixos.

E os serviços também, que têm uma alíquota de 5%. Então, hoje, você vai comprar um eletrônico, você vai pagar uns 60% de imposto no Brasil. Agora, quando você vai comprar carne bovina, você vai pagar 4% do ICMS mais PIS e Cofins, [o que] dá 14%.

Então, o que na verdade aconteceu como resultado dessas políticas [foi] que o Brasil se desindustrializou, e, hoje, nós temos uma economia que tem uma força do agronegócio muito forte.

Para o nosso Estado é bom, mas talvez para o Brasil como um todo não seja suficiente, por causa da complexidade do País e do inchaço do setor de serviços.

E como vai ser a distribuição entre os setores?

Hoje, a nossa economia é basicamente serviço, quase 70%, dois terços da nossa economia são o setor de serviços. Só que o problema é que o setor de serviços é um segmento que não tem grande produtividade.

Diferentemente da indústria, que tem uma capacidade muito grande de geração de valor. Uma máquina vai produzir 300 coisinhas bem rápido, tanto que, no mundo desenvolvido, você consome produtos muito baratos, enquanto aqui você não consegue consumir.

Então, nós temos essa distorção de carga tributária entre os setores.

A PEC 45 resolve isso de maneira radical. Ela coloca um único imposto, que substitui todos, e põe a mesma alíquota para os diversos segmentos, diversos produtos, independentemente do seu setor.

Então, o que vai acontecer é que a carga tributária da indústria vai cair, a da agricultura vai subir e a do setor de serviços vai subir, esse é o primeiro aspecto. A indústria seria uma das mais beneficiadas.

Ela coloca os impostos que são tributados na produção para serem tributados no consumo. Por exemplo, quem é contribuinte de uma televisão é a indústria que fabricou a televisão, ela é a responsável por pagar o ICMS, o PIS e a Cofins. Com o IBS, na verdade, o contribuinte vai ser aquele que comprou o produto.

Vai transferir da produção para o consumo, são os varejistas que vão pagar, o atacadista, o supermercado, a loja, não vai ser mais o produtor, vai ser uma tributação sobre o consumo. Então, existe uma luta entre os estados produtores e os estados consumidores, esse é o primeiro aspecto.

Então a reforma afeta a industrialização e a guerra fiscal?

Sim, existe a guerra fiscal hoje no País. Mato Grosso do Sul quer se industrializar e, para isso, baixa o imposto, baixa o ICMS para atrair as indústrias para cá. O estado de São Paulo perde essas indústrias.

O que está acontecendo é um conflito entre alguns estados, que o nosso Estado, na guerra fiscal, sai ganhando, porque nós estamos nos industrializando.

No conjunto do Brasil, a guerra fiscal pode ser negativa. Criou-se uma salada de regras, você pega, por exemplo, o ICMS: o problema não é distribuir o ICMS, o problema é que você tem 27 ICMSs, cada estado tem sua regra.

Por exemplo, a Usiminas, eu conheço esse caso: ela tinha uma operação com alto-forno em São Paulo e uma operação com alto-forno em Minas Gerais, a mesmíssima operação. Em uma, ela conseguia tomar crédito de alguns insumos, em outra, ela não conseguia.

O tamanho disso era quase R$ 300 milhões de diferença de interpretação entre os fiscos. Cada estado tem um jeito, então, vira uma Babel este país, com os estados competindo entre si.

Se a reforma for aprovada, ela começará a valer de uma vez?

Vai ser estabelecido um período de transição. Não vai ser simples, a transição do modelo atual para o IVA e para o IBS: no primeiro ano, o IVA nasce com 1%, e os outros impostos, com os valores atuais.

Passa-se um período de um ano e verifica-se quanto foi arrecadado com esse IBS, que está com uma alíquota pequenininha, para saber qual que deve ser a calibragem da alíquota para substituir todos os impostos.

Eles vão fazer uma conta que não vai ter elevação de carga tributária, é isso que eles estão dizendo. Eles vão colocar todas as informações de tudo que é arrecadado no País em uma base de dados e vão calcular qual é a alíquota nacional que vai unificar todas as alíquotas sem aumentar a carga tributária, olha que negócio complexo.

Ele vai ter uma carga tributária neutra no Brasil. Não significa que vão ter estados que não terão aumento, que vão cair, que vai ter setor que vai subir, ter setor que vai cair, mas ele vai ser neutro do ponto de vista tributário nacionalmente, não é simples.

A questão federativa que está colocada é que nós somos uma sociedade. Mato Grosso do Sul é uma sociedade distinta da sociedade de São Paulo, talvez nós tenhamos outras estratégias de desenvolvimento econômico, mas a proposta não olha essas particularidades.

E aí vai estar definida essa mesma alíquota para todos os entes da Federação, nós não vamos poder mexer e nós não vamos poder mais ter o incentivo fiscal. Essa é a regra.

Até que poderá [mexer nas regras], mas, para conseguir, vai ter de ter a concordância dos outros, no entanto, é impossível, tem de ter bom senso entre os três.

Eles vão ter uma espécie de “condomínio” de administração desse IVA. E aí, no primeiro ano, o IBS está com 1%, os outros impostos no tamanho atual. No segundo ano, os impostos atuais caem, e o IBS sobe um pouquinho.

No terceiro ano, continua subindo o IBS, e os outros vão diminuindo. De forma que, ao longo de 10 anos, os impostos atuais viram zero e o IBS substitui eles todos, provavelmente com uma alíquota de 25%, 27%, 30%, ninguém sabe, a ser calculada.

Nós vamos ter um período de transição ao longo de 10 anos, com dois sistemas tributários rodando em paralelo.

Ou seja, vai estar a mesma regra dos impostos atuais e o IVA funcionando em paralelo, durante 10 anos. Imagina a confusão que vai ser dentro das empresas?

Porque você vai ter de ter todos os impostos e, ao mesmo tempo, o IVA. No segundo ano, você tem de mudar os computadores de novo, porque o IVA cresce e o outro cai. Não é simples.

Imagina os conflitos que podem surgir em relação a isso, tem advogado tributarista entrando em ação, pode ser uma confusão. Então, pode ser um período de transição de 10 anos bem complicado.

E haverá algum tipo de compensação?

Sim. Além do período de transição dos impostos, tem um período de transição da repartição do produto desses impostos. Porque tem estado que ganha, estado que perde, município que ganha, município que perde.

Eles criaram uma regra em que ninguém perde. Eles criaram uma trava dizendo o seguinte: Campo Grande, se perder, [o produto dos impostos] é complementado, então nós vamos precisar de fundos adicionais para complementar.

E vamos fazer um período de 30 anos, colocando todo dinheiro dentro de uma caixa e distribuindo para os três. Tem gente que fala que pode ser em até 60 anos.

Então nós estamos falando que é como fazer uma cirurgia de dois gêmeos siameses. Uma cirurgia de altíssimo risco, é uma proposta complicada, não é uma proposta simples. Isso que eu estou tentando dizer.

E pode ser bom para o Brasil, mas nós precisamos olhar as particularidades de Mato Grosso do Sul. Nós temos de ir na proposta que faça sentido para Mato Grosso do Sul.

Para Mato Grosso do Sul, quais seriam os impactos deste novo modelo de tributação?

A PEC 45 tem um grande problema para Mato Grosso do Sul, e é a minha grande preocupação: ela vai aumentar a carga tributária dos produtos da cesta básica, vai ter um efeito na distribuição de renda sensível.

Quem vive com um salário mínimo, dois, três, em que a cesta de consumo, a cesta básica é importante no total do consumo dessas pessoas, vai perceber uma inclinação de carga tributária muito grande, vai ter uma elevação dos preços dos alimentos, este é o primeiro aspecto.

Ela tem um efeito distributivo de curto prazo que vai pressionar o orçamento das famílias, principalmente aquelas de baixa renda.

E mais: além do ponto de vista das pessoas, é problemático do ponto de vista de Mato Grosso do Sul, que produz produtos para cesta básica, e também é complicado porque vai aumentar a carga tributária do agronegócio e da agricultura familiar.

Depois, ela vai impedir o incentivo fiscal. A partir da PEC 45 não se pode mais criar incentivo fiscal, é um único imposto nacional com a mesma alíquota administrada pelos três entes: estados, municípios e União.

Significa que toda nossa estratégia de sucesso de atração de indústrias para Três Lagoas, para [a região do] Bolsão, para a Costa Leste, tudo isso não pode mais.

Os produtos alimentícios, seja a pecuária, seja a agricultura, vão ter elevação de carga tributária. Quem produz arroz, feijão, soja, milho, boi… Então, o setor agropecuário vai ter elevação de carga, vai ter um impacto distributivo negativo no orçamento doméstico das famílias, principalmente das famílias de baixa renda, que têm na sua renda uma parte importante destinada ao consumo de alimentos.

Lógico, quem vive com um salário mínimo, o consumo de uma cesta básica pode ser mais de metade da renda e, para quem ganha 20 sálarios mínimos, 30 salários mínimos, a cesta básica representa uns 5% na cesta de consumo.

O agro vai pagar mais impostos, então?

Sim, vai ter o impacto distributivo negativo, vai ter uma elevação de carga tributária para o agro, que é um dos grandes pilares de desenvolvimento de Mato Grosso do Sul, e nós vamos perder a capacidade de ter um incentivo fiscal significativo, um dos principais instrumentos que nós usamos para industrializar o Bolsão e Três Lagoas, que são casos de sucesso, e outros lugares de Mato Grosso do Sul – esse instrumento não vai mais poder existir.

Então, pode ser ruim para Mato Grosso do Sul, pode ser bom para o estado de São Paulo. No estado de São Paulo ocorre o contrário, a carga tributária da indústria, já que é o estado mais industrializado, vai cair. Eles não vão mais ter Mato Grosso do Sul competindo com guerra fiscal e o agronegócio para eles não é tão relevante.

O que eles dizem, no geral, é que é uma proposta de corte bem liberal. No sentido de eles não quererem mais o Estado intervindo na atividade econômica, porque eles acham que a atuação do Estado distorce a atividade econômica, e é verdade, distorce, mas o problema é cercear totalmente esse instrumento.

Talvez colocar freios, tudo bem, mas cercear totalmente?

Bernard Appy, que é o grande autor intelectual dessa proposta, virou secretário especial do governo Lula no Ministério da Fazenda, secretário especial da reforma tributária.

Então, ou vai ser a PEC 45, ou a PEC 110, que são as duas crias dele. Ele falou assim em uma entrevista no “Roda Viva”, que eu assisti há mais de um ano: “Olha, no Centro-Oeste tem gado, e no Sudeste nós temos uma indústria automotiva. Mas você tem Goiás trazendo montadoras e tem o estado de São Paulo buscando frigoríficos”.

Ele disse: “Frigorífico no Centro-Oeste, montadora no Sudeste. Boi lá no Centro-Oeste e indústria no Sudeste”. Em resumo, esse é o conteúdo da proposta, e é para isso que vai tender a longo prazo.

Então, pode ocorrer uma desindustrialização de Três Lagoas, de tudo o que a gente construiu aqui. Essa é uma preocupação que eu tenho.

Nesse modelo da reforma tributária, o Imposto de Renda é o único que continuará existindo ou outros impostos sobre exportação e operações financeiras, além de contribuições previdenciárias, também?

[O Imposto de Renda] está fora agora [da discussão]. A discussão agora é só sobre imposto sobre consumo. Eles até querem fazer essa discussão, mas eles não vão misturar tudo agora. [Outros impostos sobre exportação e operações financeiras, além de contribuições previdenciárias] também estão fora da PEC 45.

Perfil

Pedro Pedrossian Neto  é deputado estadual pelo PSD e foi secretário municipal de Finanças de Campo Grande por mais de seis anos. É economista, formado pela PUC-SP, e mestre em Economia, também pela PUC-SP.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO