As vacinas não protegem a todos da mesma maneira. Os imunizantes dependem do sistema imunológico para gerar os anticorpos e outras moléculas que funcionam como uma barreira contra a infecção, e em pessoas que têm um sistema imune mais fraco a tendência é que essa resposta seja menor ou até mesmo inexistente.
Os mais velhos, pelo acúmulo de doenças crônicas, geralmente contam com um sistema imunológico mais debilitado.
Pessoas infectadas pelo HIV, que tenham doenças que enfraquecem o sistema imune ou que tomam algum remédio que inibe a ação das moléculas de defesa –caso de pacientes que receberam transplante de órgão ou alguns pacientes com câncer– também podem ter menor ou nenhum benefício com o uso de uma vacina.
“Qualquer doença crônica pode comprometer o sistema imune, e quanto mais tempo o paciente carrega a doença, pior fica a resposta imunológica. Há um comprometimento do organismo como um todo”, afirma a médica pediatra Flávia Bravo, presidente da Comissão de Informação e Orientação da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).
Para a infectologista Raquel Stucchi, coordenadora da Comissão de Infecção em Transplantes da ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos) a expectativa dos cientistas é que as vacinas anti-Covid sejam menos potentes nos públicos mais frágeis.
“De uma maneira geral, sabemos que as vacinas conhecidas para outras doenças têm eficácia menor nessas pessoas”, diz.
Os dados sobre o resultado da vacinação contra o coronavírus nesses grupos ainda são poucos, mas já apontam na direção de uma eficácia menor dos imunizantes, como os especialistas esperavam.
Em artigo publicado em abril na revista científica American Journal of Transplantation, cientistas de Israel mostraram que pacientes com transplante de rim tiveram um benefício muito inferior ao da população geral após a aplicação da vacina da Pfizer/BioNTech.
Apesar de a vacina ter uma das maiores taxas de eficácia entre os imunizantes em uso (acima de 95% nos testes clínicos), somente 51 dos 136 pacientes acompanhados no estudo israelense desenvolveram anticorpos contra a doença (cerca de 37%).
Outro estudo, publicado em abril no periódico Clinical Infectious Diseases, revelou que a vacina Pfizer/BioNTech induz menos anticorpos contra o Sars-CoV-2 em pessoas mais velhas.
Dados de um estudo brasileiro divulgado neste mês indicou que a eficácia da Coronavac também é menor para os mais velhos.
Assim, se nenhum vacinado pode relaxar as medidas básicas de proteção contra o coronavírus devido à alta circulação do patógeno no país atualmente, as pessoas mais velhas e as que têm algum comprometimento do sistema imune ainda podem ter risco elevado de complicações causadas pela doença até que a campanha de imunização alcance uma parcela grande da população e derrube as taxas de transmissão do vírus.
Quantas pessoas precisam ser vacinadas para que haja tranquilidade nesses grupos? A ciência ainda não tem uma resposta definitiva. Usamos vacinas com eficácias variadas em grupos que respondem aos imunizantes de maneira diversa, o que torna o cálculo muito complexo.
Os pesquisadores concordam que pelo menos 70% da população precisa estar completamente imunizada para vermos os melhores resultados da campanha, com uma redução drástica no número de casos. Até a sexta-feira (28), pouco mais de 10% da população brasileira estava com a imunização completa (duas doses).
“É necessário manter os cuidados como uso de máscara e distanciamento social, não tem outro jeito agora”, diz Flávia Bravo, da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).
Segundo Bravo, as investigações atualmente em curso devem apontar os caminhos para trazer maior proteção aos mais suscetíveis. Uma solução pode ser a aplicação de doses de reforço, como é feito para prevenir outras doenças.
Essa é uma proposta que depende de muitos dados ainda inexistentes, como o comportamento dos anticorpos desenvolvidos pela vacina nos pacientes ao longo do tempo.
É natural que a quantidade dessas moléculas caia após alguns meses, mas espera-se que alguma proteção seja mantida mesmo com quantidades reduzidas de anticorpos.
Somente os estudos vão dizer quando pode ser uma boa hora para receber mais uma dose de vacina –e isso não apenas para o público mais suscetível, mas também para a população geral.
Cientistas vêm admitindo a possibilidade de que a vacinação contra o coronavírus se torne periódica.
Diante de um cenário de escassez de imunizantes, porém, a proposta só poderá ser viável se a capacidade produtiva dos fabricantes for ampliada e os entraves logísticos superados.
Outra opção, de acordo com Bravo, seria a vacinação das pessoas que convivem com o paciente que não responde bem à vacina. Dessa forma, seria formada uma barreira de proteção para evitar que o vírus chegue até ele.
O caso dos pacientes com comprometimento do sistema imune evidencia que a vacinação é uma estratégia coletiva para proteção da população. As pessoas que não conseguem nenhum benefício com as vacinas dependem que os demais também recebam o imunizante para ficarem livres de riscos.
Pessoas que podem não ter boa eficácia com o uso da vacina devem recebê-la assim que for oferecida a possibilidade, dizem as especialistas.
Os imunizantes usados no país (Coronavac, AstraZeneca/Oxford e Pfizer/BioNTech) são seguros para esses públicos, de acordo com a Anvisa.
“Mesmo com limitação, o paciente pode gerar anticorpos. Qualquer proteção é melhor do que nenhuma proteção”, afirma Stucchi.
FONTE: CORREIO DO ESTADO