Cenário difícil de retomada econômica coloca freio no consumo das famílias, em parte porque a maioria delas está endividada.

A retomada das atividades depois de um tempo de restrições por causa da pandemia somada à alta da taxa básica de juros, à inflação em dois dígitos e à renda com pouco ou nenhum reajuste tornam a saída da dívida um trabalho extremamente árduo.

Levantamento realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) estima que quatro em cada dez brasileiros adultos estavam negativados em abril de 2022 – o equivalente a 61,94 milhões de pessoas.

Segundo o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Campo Grande (CDL-CG), Adelaido Vila, o cenário na Capital e no Estado não é diferente.

“A inadimplência beira 70% no Brasil. Aqui em Campo Grande, temos um índice baseado em banco de dados nacional que chega a 64%. Já o endividamento está um pouco maior. O endividado é aquela pessoa que atrasa um pouquinho para pagar uma conta, porque precisa comprar comida, aí entra um dinheiro ela vai lá e quita essa conta”.

A diferença entre o endividado e o inadimplente é que no primeiro caso pode ser alguém comprometido com parcelas no cartão de crédito, por exemplo, já o outro é o popularmente chamado de nome sujo, quando há contas em atraso e muitas vezes o consumidor já está negativado.

O economista Marcio Coutinho ressalta que não se cria uma situação de ausência de pagamentos da noite para o dia, e essa é uma questão conjuntural que se arrasta pelos últimos anos.

“A inadimplência acontece, primeiro, em consequência da perda da renda e, segundo, pelo aumento de preços. Se a renda não aumenta para o trabalhador, ele tem o poder de compra dificultado. A renda sofre reajuste anual, já os preços dos produtos sofrem aumento mensal, ou diário, não é como a renda”, argumenta.

Segundo Carol Stange, educadora em Finanças Pessoais, as dívidas têm apelo mais imediatista.

“Percebo que a maioria das dívidas está relacionada a cartão de crédito e a contas básicas do dia a dia, assim como supermercado, água, luz, gás”.

Conforme Coutinho, o desemprego, a inflação e os custos criam um cenário complicado para o consumidor.

“Chegamos a essa situação pelo índice de desemprego, que continua alto. Se não tem renda, não tem consumo. Esse consumo que existia lá atrás, a pessoa quando perde o emprego vai tentar empurrar isso para frente de qualquer maneira, e quando ela não consegue torna-se inadimplente”, resume.

O presidente da CDL-CG explica que vários fatores colocaram a população nesse estado. “Essa inflação oficial é a soma de vários fatores, é muito maior do que em outros tempos. A conta de energia está acima da inflação, a água e os combustíveis também, tem muita coisa que está acima da inflação, mas quando se faz a média sai aquele índice”, explica.

CAPITAL

No último levantamento da Federação do Comércio de Mato Grosso do Sul (Fecomércio-MS), as famílias endividadas de Campo Grande se mantiveram estáveis de março para abril.

Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), o porcentual de famílias endividadas em Campo Grande teve uma pequena redução no mês passado, com 61,8%, contra 62,7% em março.

Das famílias sul-mato-grossenses, 14,5% estão muito endividadas, 19,1% mais ou menos endividadas e 28,2% pouco endividadas. Do total, 14,2% não terão condições de pagar os débitos.

Em números absolutos são 196.954 famílias endividadas em abril, que não conseguem pagar cheques pré-datados, cartões de crédito, carnês de lojas, empréstimo pessoal, prestações de carro ou seguros.

Economista do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da Fecomércio MS (IPF-MS), Regiane Dedé de Oliveira comenta que essa estabilidade e a leve redução são consideradas positivas.

“Levando em conta os impostos desse período e a retomada ainda tímida da economia, ainda assim, o cenário é de alerta, pois temos mais de 60% da população endividada e cerca de 30% com contas em atraso”, avalia.

Regiane comenta que Mato Grosso do Sul está com os dados melhores que o nacional.

“As pessoas estão trabalhando mais. Temos números melhores por conta do controle da pandemia, ainda temos o efeito positivo na questão da nossa matriz econômica, além da geração de emprego. Isso tudo contribui para que os nossos números não sejam tão ruins”, avalia.

RENEGOCIAÇÃO

Existem empresas financeiras que oferecem descontos imperdíveis para renegociar as dívidas dos endividados.

Carol Stange diz que não existem milagres, pois o jeito é cortar gastos, economizar na lista do supermercado e no consumo geral em casa.

“Para quem já está inadimplente, o caminho é ter a visão geral das dívidas, priorizar as dívidas maiores, negociar e evitar novos empréstimos e gastos”.

A especialista recomenda como primeiro passo mapear as dívidas. Ela afirma que deve se fazer um fichamento da dívida.

“Nessa relação, deve constar o nome da dívida, o valor inicial, o valor dos juros cobrados e o valor para uma possível quitação”. Ela diz que também é necessário comentar o porquê da contração daquela dívida.

Em segundo lugar, deve-se avaliar a capacidade de real de pagamento. “Não mais do que 30% das receitas devem ser comprometidas com parcelamentos e financiamentos em geral”, aconselha.

E, por fim, negociar. “Não é preciso esperar pelo atraso e pela inadimplência de contratos de financiamentos para procurar negociações”, afirma a consultora.

Financiamentos de automóveis e de imóveis podem ser negociados nas instituições até mesmo transferidas para outros interessados. As dívidas com cobranças de juros mais altas devem ser priorizadas.

Carol ainda sugere aproveitar os feirões de negociação de dívidas oferecidos por grandes instituições financeiras como Serasa e SPC e jamais utilizar o serviço de terceiros para intermediar as negociações.

61,94 milhões de brasileiros estão negativados

Levantamento realizado pela CNDL e pelo SPC Brasil estima que quatro em cada dez brasileiros adultos (38,45%) estavam negativados em abril de 2022, o equivalente a 61,94 milhões de pessoas.

 

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO