Não é tão raro assim que bandas e artistas de rock e metal veteranos anunciem a aposentadoria em algum momento da carreira, saiam pelo mundo em turnês de despedida e… Voltem atrás depois de algum tempo. Apenas de bandas que se apresentam no Brasil no primeiro semestre deste ano, temos Kiss, Scorpions e Mötley Crüe como bons exemplos.
Não tenho dificuldade em entender o sentimento de luto que se abate sobre o fã com a certeza de que nunca mais verá um ídolo ao vivo, especialmente quando não podemos ir aos tais shows de despedida. Na minha adolescência, o Scorpions passou pelo Brasil com aqueles que deveriam ser os últimos shows da banda alemã no país. Me lembro nitidamente da tristeza que me dominava quando ouvia a propaganda dos shows na rádio e o locutor, insensível ao meu sofrimento, insistia em repetir que aquela era a “turnê de despedida”. Eu nunca tinha visto a banda ao vivo e, até onde sabia, esse era um sonho que jamais seria realizado, uma vez que eu não tinha a menor perspectiva de ir aos shows, que eram caros e exigiam acompanhante para minha idade. Se meus pais não podiam pagar um ingresso, que dirá dois!
Tudo isso, consigo entender. Quando Kiss anunciou que passaria pelo Brasil mais uma vez este ano, desta vez no Monsters of Rock, até eu me senti um pouco boba por ter escrito um trecho sentimental na minha resenha do show do em São Paulo com a End of The Road Tour: “quando Paul Stanley verbalizou as palavras temidas (‘Hoje à noite, nos despedimos’), foi impossível conter o aperto no coração. Aqueles são rostos (ou maquiagens) que sempre estiveram ali, no Olimpo do rock, e é difícil imaginar como será sem esperar por uma nova turnê da banda pelo Brasil“.
Sim, eu tive um momento de achar graça da minha ingenuidade ao ler esse trecho mais tarde. Mas não entra na minha cabeça o ressentimento que parte considerável dos fãs guarda no coração quando as bandas mudam de ideia sobre a decisão de abandonar os palcos para sempre: para esses, aquele artista ou banda ficará eternamente marcado como um traidor e interesseiro. E como se todo show anunciado depois valesse menos de alguma forma.
Toda vez que publicamos algo sobre a reta final do Kiss no Wikimetal, alguém aparece para fazer algum comentário irônico sobre a despedida da banda. Novo show do Scorpions no Brasil? “Mais uma turnê de despedida, é?”, se apressam em comentar os rancorosos. Mötley Crüe voltando ao país depois de oito anos? Que se explodam os fãs felizes com a notícia, eles quebraram a promessa de sair de cena e não passam de marqueteiros baixos!
Todos os artistas citados até aqui, sem exceção, explicaram os motivos para voltar atrás na decisão pela aposentadoria – e, ao contrário das insinuações de parte do público, nenhuma dessas bandas usou a cartada da despedida mais de uma vez antes. Talvez saber dos motivos e contexto de cada decisão acalme os corações indignados…
Kiss: Por que não parou na Farewell Tour?
A primeira turnê do Kiss anunciada como a última da carreira da banda aconteceu entre 2000 e 2001, na chamada Farewell Tour. Na época com a formação original da banda, incluindo Ace Frehley e Peter Criss, a decisão de sair de cena foi motivada pelas tensões nos bastidores e a estagnação musical do grupo na época, sem renovação de setlist há vários anos.
Em 2004, o Kiss voltou aos palcos, desta vez com Peter Singer na bateria e Tommy Thayer na guitarra. Segundo o frontman Paul Stanley, eles realmente acreditaram que era o fim, mas o tempo mostrou como poderiam seguir em frente sem os integrantes considerados problemáticos.
De certa forma, a Farewell Tour foi uma despedida da formação original do Kiss. Nesses anos “extras” na ativa, além de diversas turnês, a banda também lançou dois discos de estúdio: Sonic Boom (2009) e Monster (2012). Desde 2020, a banda está na estrada com a turnê mundial End of The Road Tour, anunciada como a despedida oficial dos palcos.
Scorpions: aposentadoria nunca mais!
Em 2010, a banda anunciou a intenção de encerrar as atividades enquanto ainda estivesse no topo e iniciou a turnê chamada Final Sting World Tour, promovendo o disco de mesmo nome que deveria ser o último da carreira dos alemães. A promessa de sair de cena nunca se cumpriu, apesar da ampla divulgação dessa intenção sem motivos aparentes: ver uma nova geração de fãs na plateia mostrou aos músicos todo o potencial de seguir em frente.
O Scorpions nunca chegou a parar de fato e, felizmente, não mais toca no assunto. “Riscamos essa palavra no nosso vocabulário. [A aposentadoria] não existe. Não pensamos sobre ela, não falamos sobre ela e levamos um dia após o outro”, disse Klaus Meine em recente entrevista.
Mötley Crüe: contrato assinado e rasgado
O Mötley Crüe acabou de passar pelo Brasil ao lado do Def Leppard para um show incrível em São Paulo, realizado no último dia 7 de março. Isso não teria acontecido se a banda tivesse honrado o contrato que assinou em 2014 sobre parar as atividades.
Na época, a banda saiu em turnê de despedida e fez “o último show” da carreira em 2015. Tudo parecia muito sério, com um “contrato de cessar turnês” assinado pelos integrantes, mas a oportunidade de fazer shows em estádios pela América do Norte apareceu quatro anos depois e foi impossível resistir. “A Live Nation perguntou se faríamos uma turnê em estádios e ficamos pensativos. (…) Essa foi a única coisa que essa banda nunca fez. Sim, tocamos em estádios com festivais por toda parte, mas nossa própria turnê em estádios? A gente ficou tipo, ‘Espera, vamos pensar sobre isso’“, contou Tommy Lee em 2020.
Não seria melhor perdoar, então?
E você pode ou não acreditar que conflitos na banda, crises de meia-idade e sonhos megalomaníacos sejam as motivações reais, mas no final, será que isso realmente importa? Para mim, ir ao show dessas bandas jamais seria possível se os integrantes tivessem mantido a palavra sobre o adeus. Eu jamais teria vivido alguns dos dias mais felizes da minha vida, não teria conhecido amigos, não teria realizado sonhos cultivados desde a infância.
E quando vejo tantos jovens nos shows dessas bandas antigas, cujo auge aconteceu antes mesmo do nascimento deles, eu sei que não sou a única. É compreensível se sentir enganado por um minuto ou dois, mas simplesmente ver o lado positivo me parece muito melhor. Veja bem, eu nunca vejo posicionamentos tão contundentes sobre conduta moral dos artistas quando acusações de crimes gravíssimos surgem… Mas esse assunto já foi abordado em outro texto desta coluna.
E se você não for capaz de perdoar, talvez seja mais produtivo simplesmente não ficar na mesma tecla. Os milhares de fãs que continuam indo aos shows dessas bandas, mesmo depois de “enganados”, não parecem se importar. Se você não faz questão de participar da festa, apenas viva e deixe viver!
Fonte: Omelete