O governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB), ordenou que o titular da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Antônio Carlos Videira, investigue as falhas de atendimento de diferentes esferas que resultaram na morte de Sophia de Jesus Ocampo, de apenas 2 anos.
Ao Correio do Estado, o secretário Antônio Carlos Videira reiterou que tudo será apurado com muita profundidade, para que casos como o de Sophia não voltem a acontecer.
“É lamentável, muito triste, e temos de identificar onde, por que e quando houve a falha [de atendimento] e quem o fez. E é nesse sentido que o governador determinou apuração ampla neste caso”, disse Videira.
A menina, que chegou morta à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Coronel Antonino, em Campo Grande, no dia 26 de janeiro, após ser espancada pelo padrasto, Christian Campoçano Leitheim, de 25 anos, e pela mãe, Stephanie de Jesus da Silva, já havia passado em dois anos e sete meses de vida por pelo menos 30 atendimentos nas unidades de saúde.
O laudo necroscópico indicou que a pequena Sophia morreu por um traumatismo na coluna causado por agressão física. A criança apresentava ainda sinais de estupro, crime também comprovado após análise feita pelo Instituto de Medicina e Odontologia Legal (Imol).
O Correio do Estado teve acesso ao histórico dos crimes cometidos contra Sophia relatados durante a prisão em flagrante de Stephanie e Christian, mas, por respeito ao leitor e à família de Sophia, as agressões sofridas pela criança não serão detalhadas.
Videira salientou ainda que, se constarem falhas nos atendimentos de responsabilidade da Sejusp, medidas serão tomadas.
“Se a nossa apuração apontar que houve falha no atendimento na Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente [DEPCA], a Corregedoria da Polícia Civil vai tomar as devidas providências. Vamos investigar fatos e circunstâncias, pois a omissão pode ter ocorrido em diversos lugares”, relatou o secretário.
ERROS SISTÊMICOS
Para a advogada Janice Andrade, que representa o pai de Sophia, Jean Ocampo, houve uma série de omissões que colaboraram para a morte de Sophia.
Ao Correio do Estado, Janice Andrade afirmou que os erros ocorreram já na primeira vez em que o pai da menina compareceu ao Conselho Tutelar da Região Norte da Capital, onde Sophia morava com a mãe e o padrasto, e recebeu um atendimento negligente, sem atenção de qualquer profissional que pudesse resolver o caso da menina.
Para a advogada, o Estado e todas as instituições de proteção à criança são responsáveis pela morte da menina por terem cometido uma série de erros e omissões, incluindo a homofobia praticada contra o pai de Sophia, que é casado com outro homem.
A advogada destacou que os erros continuaram quando o primeiro boletim de ocorrência foi registrado na DEPCA, que demorou 10 meses para marcar uma audiência de Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), em que todos os envolvidos foram intimados para prestar esclarecimentos.
A equipe da DEPCA também se negou a anexar ao boletim de ocorrência as fotos nas quais Sophia aparecia com diversos hematomas e arranhões, para os quais a mãe sempre tinha justificativas, dizendo que a criança sofria quedas e acabava se machucando.
Além das imagens, o pai da menina também apresentou um áudio com duração de uma hora e meia em que a avó materna de Sophia relatava todas as agressões sofridas pela neta, contudo, ele também não foi juntado ao boletim porque, de acordo com a advogada, a equipe da delegacia achou que não era uma prova confiável e que poderia ser manipulada.
HOMOFOBIA
“Houve homofobia, velada, mas houve, e a omissão do Estado contribuiu para a morte de Sophia. O Igor [de Andrade, marido de Jean] sempre ia junto com ele e também queria relatar o que via, mas nunca pode entrar junto com Jean quando ele era chamado para ser atendido”, explicou a advogada.
A defensora do casal ainda afirma que, para as instituições públicas e a sociedade no geral, um casal hétero, independentemente do que faz, sempre “tem uma defesa moral”, porque dois homens não podem criar uma criança
“Ninguém quer tirar a criança de um casal hétero para entregar para dois homens criarem, já que as instituições, como o Conselho Tutelar, estão cheias de pessoas de religiões fundamentalistas”, pontuou Janice.
A advogada aponta que todas as vezes que Sophia era violentada de forma brutal e apareciam danos mais graves, como perna quebrada ou ferimentos na cabeça, a mãe a levava para uma UPA, mas as equipes médicas nunca relataram os sinais de agressões que a criança apresentava.
DESCASO
Ainda em conversa com o Correio do Estado, Janice Andrade disse que, agora, na fase de investigação da morte, o descaso da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) continua, já que foi solicitado o histórico de atendimento da criança, mas o único documento fornecido para o processo foi a relação de vacinas aplicadas.
Em relação à postura da delegada responsável pelo caso, a advogada afirma que continua sendo negligente, principalmente por afirmar que o pai de Sophia não queria que fosse expedida uma medida protetiva contra a mãe da criança.
A advogada explica que Jean não foi informado dessa possibilidade, mas, de toda forma, o pai não poderia impedir que o documento fosse feito, já que a segurança da criança precisa ser colocada em primeiro lugar.
Outra informação dada pela delegacia é de que o pai também não levou Sophia para fazer o exame de corpo de delito, mas a equipe da Polícia Civil sabia que a Stephanie escondia a criança do pai quando ela tinha marcas de violência.
“Eles tinham conhecimento de que eles não conseguiam ficar com a criança por muito tempo, mas poderiam usar o poder coercitivo para obrigar a mãe a apresentar a criança e realizar o exame, e a polícia tem o dever de conceder as medidas protetivas e informar isso ao pai”, destacou Janice.
A advogada ainda afirmou que vai ingressar com um recurso para que a mãe e o padrasto de Sophia respondam também por tortura.
MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) denunciou a mãe da pequena Sophia, Stephanie de Jesus da Silva, e o padrasto, Christian Campoçano Leitheim, por homicídio triplamente qualificado com circunstâncias agravantes, em razão de a vítima ser do sexo feminino e menor de 14 anos, o que dificultou sua defesa, e estupro de vulnerável.
Stephanie também foi denunciada por omissão de socorro, já que só encaminhou a menina à Unidade de Pronto Atendimento aproximadamente sete horas após sua morte, no dia 26 de janeiro.
Agora, o Ministério Público de MS aguarda o recebimento do juiz. O casal permanece preso. (Colaborou Alanis Netto)
Saiba: Entre os dias 1º de janeiro e 8 de fevereiro de 2023, 123 estupros de crianças foram registrados em Mato Grosso do Sul, de acordo com dados da Sejusp.
Por dia, pelo menos três casos desse crime brutal são registrados contra vítimas menores de 12 anos em MS. No mesmo período, 59 adolescentes sofreram violência sexual. Juntos, os dois públicos representam 73,19% do total de casos desse tipo de crime neste ano.
FONTE: CORREIO DO ESTADO