Com a alta dos preços do petróleo no mercado internacional, o preço do gás liquefeito de petróleo (GLP) subiu 56,44% em Mato Grosso Do Sul no intervalo de dois anos.

A queda de preços de combustíveis e energia elétrica fez com que o aumento do gás de cozinha o transformasse em vilão da inflação.

Em 24 meses, o gás de cozinha saiu de R$ 71,33 em junho de 2020 para R$ 111,59 em junho de 2022, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). No comparativo anual, a diferença é de 30,13%. Em junho de 2021, o botijão com 13 kg custava R$ 85,75 em Mato Grosso do Sul.

O banco de dados da ANP está há mais de 15 dias fora do ar, por isso, o último levantamento considerado é com base nos dados de junho.

A reportagem do Correio do Estado entrou em contato com algumas revendas no Estado e encontrou preços entre R$ 115 e R$ 130 nesta sexta-feira, considerando as cidades de Campo Grande, Coxim, Dourados e Três Lagoas.

Conforme dados de formação de preços do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás), dos R$ 111,59 pagos em média pelo consumidor no mercado, 42,85% são formados pelo valor de custo e as margens de lucro de distribuidoras e revendedoras, cerca de R$ 19,02 e R$ 28,80 em média, respectivamente.

Outro fator formador do preço são os impostos. Com as cargas federais zeradas desde 2021, incide-se atualmente em MS R$ 8,86 de tributos estaduais, referentes a 12% de carga do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Conforme a Federação Nacional de Comércio de Combustíveis e Lubrificantes (Fecombustíveis), é cobrado R$ 0,68 de ICMS por kg de GLP.

E, por fim, os demais 49,2% do preço total do gás de cozinha são compostos pelo valor do custo de produção e o lucro da Petrobras. Em termos nominais, R$ 54,91 do valor pago é revertido para a companhia.

Esse acabou sendo um dos principais vetores da alta de preço. Em dois anos, a parcela da produtora aumentou 124,86%, quando as empresas cobravam em média R$ 24,42 pelo produto no Estado.

O economista Holger Heimbach explica que, de forma geral, como o GLP é um combustível, ele é muito impactado por oscilações na economia mundial, como a guerra na Ucrânia ou as tensões entre China e Taiwan, “que interferem tanto na cotação mundial desse produto quanto no câmbio brasileiro. Assim, os preços do GLP no mercado brasileiro se elevam desde o início de sua cadeia produtiva”.

Heimbach ainda destaca que a queda de impostos não gera tanto impacto sobre o preço final.

“Destaca-se que, em janeiro de 2020, cerca de 38,9% do preço final era o preço do fabricante e, com as tensões no mercado internacional, em junho de 2022, o preço do fabricante já corresponde a 49,2% do preço final do gás de cozinha”.

INFLAÇÃO

Os analistas do mercado financeiro apontam que o GLP tem se tornado o vilão da inflação e deve ter bastante impacto nos próximos meses. Nos últimos 12 meses, o gás encanado acumula alta de 26,29%, e o gás de botijão, de 21,36%, conforme o Sindigás. Ambos subiram mais que o dobro da inflação no período (10,07%).

Em entrevista ao jornal O Globo, o presidente do Sindigás, Sérgio Bandeira de Mello, afirma que, mesmo com a queda do ICMS, o impacto não foi tão significativo para o consumidor.

“A questão fiscal teve impacto, mas não é comparável com diesel e gasolina. A alíquota do GLP já estava em 12% [em muitos estados, como em MS], portanto, não afetou tanto o produto. Na média, o impacto da redução do ICMS no GLP foi de queda de R$ 2,50 a R$ 2,60 por botijão”.

O doutor em Economia Michel Constantino comenta que, segundo a teoria econômica, a explicação sobre a dificuldade na redução do preço do gás é pelo mercado brasileiro ser extremamente concentrado.

“A oferta do GLP é realizada por empresas monopólios, como a Petrobras e a empresa boliviana. Como não temos concorrência de mercado, os preços ficam nas mãos dos produtores, que, no caso dos bolivianos, aumentam constantemente”.

O economista vê a falta de competitividade como o principal problema na redução do preço.

Neste período de dois anos, o barril do petróleo Brent sofreu alta de 135,78% até esta sexta-feira. De junho de 2020 a junho deste ano, o barril saiu de US$ 40,71 para o valor atual de US$ 96,22.

No entanto, a oferta maior da commodity no mercado internacional, dado o anúncio da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) de se comprometer com estoques mundiais de petróleo, reduziu o preço consideravelmente. De junho para cá, o barril de petróleo Brent teve queda de 15,14%, saindo de US$ 113,12, no dia 17 de junho, para os atuais US$ 95,99.

Segundo o economista Márcio Coutinho, a inflação é mensurada pela evolução de preços de uma cesta que contém uma série de produtos e serviços para diferentes níveis de renda da população.

“Como mede-se a variação de vários produtos, se o gás tem um aumento significativo, ele acaba pesando no orçamento, principalmente, das famílias de baixa renda”.

O especialista diz que essa faixa salarial não tem como fugir das contas básicas. “Pagar água e energia. Pode até atrasar, mas, no fim, essas famílias acabam pagando, assim como com o gás de cozinha”, finaliza.

EMPRESAS

De acordo com o presidente do Sindicato das Empresas Revendedoras de Gás da Região Centro-Oeste (Sinergás), Zenildo do Vale, o gás precisava ser o primeiro item a ter redução de valores.

“Está previsto um aumento para as distribuidoras, esperamos que isso não ocorra. O valor do gás deveria ser o primeiro a diminuir, é um item básico para a população, as pessoas precisam comer”.

Com isso, o dirigente revela que muitos empresários estão deixando o ramo para atuar com a venda de outros produtos, pois, segundo ele, os ganhos não acompanham.

“As companhias já querem realizar um aumento de valor, se o revendedor colocar R$ 20 em cima do valor, ele não come, então, o preço vai lá em cima para o consumidor. As companhias não sentem isso. Já tem muito depósito fechando, desistindo de vender gás”.

Com o aumento do preço, revendedoras contatadas pelo Correio do Estado afirmam que a demanda por GLP caiu drasticamente nos últimos quatro meses.

Conforme o proprietário da Aquaaram, Sílvio Serejo, em 10 anos no ramo, ele nunca viu um cenário tão complicado para o mercado de gás de cozinha. “A pandemia nos afetou um tanto, mas agora a coisa piorou. Os aumentos do gás não foram bons, muitos clientes deixaram de comprar todo mês e, quando compram, cobram as baixas do preço da gasolina no gás de cozinha, que segue estagnado”, reclama.

Serejo comenta que, se não fosse a venda de galões de água, a situação dele estaria bem pior atualmente. O empresário comenta que as vendas reduziram em 40% desde o início da pandemia até hoje. “Eu vendo até 60 galões de água por dia, já os botijões de gás eram 40 antes da pandemia, hoje não consigo vender mais que 25”, revela.

Outro empresário que tem números similares é Geraldo Ortiz, proprietário da revenda Tradição Gás. “As vendas caíram 38% porque as pessoas passaram a cozinhar menos. Isso [a alta] afetou a situação da classe média e baixa”, comenta. (Colaborou Bianka Macário)

R$ 130 por botijão de gás

Levantamento realizado pela reportagem do Correio do Estado aponta que os preços do gás de cozinha variam entre R$ 115 e R$ 130, considerando os municípios de Campo Grande, Coxim, Dourados e Três Lagoas.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO