A pandemia da covid-19 impactou a saúde e a educação de milhões de crianças e famílias, de acordo com a pesquisa Desigualdades e Impactos da Covid-19 na Atenção à Primeira Infância. O estudo, divulgado hoje (21), mostra que no período de 2020 a 2021 houve queda no número de matrículas em creche e na pré-escola, queda na vacinação e impactos na alimentação de crianças de até 6 anos de idade, período que compreende a primeira infância.
“A sociedade como um todo sente os impactos na primeira infância na medida em que é o começo da vida, essa etapa tão importante é a base para construir todas as habilidades e competências de cada criança como sujeito de direito. Se a gente tem a violação a direitos, uma maior exposição a fatores de risco e a situações de adversidade, a gente pode vir a ter futuros efeitos de longo prazo”, disse a diretora de Conhecimento Aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV), Marina Fragata Chicaro.
A pesquisa foi realizada pela fundação em parceria com o Itaú Social e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O estudo baseia-se em dados dos ministérios da Saúde, da Educação (MEC) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e conta com o apoio da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas).
Os pesquisadores aplicaram questionários relativos à saúde, educação e a aspectos socioeconômicos, e realizaram entrevistas com gestores e profissionais que atuam nessas áreas, em mais de 100 municípios de diferentes estados.
Os dados mostram que a pandemia aumentou em 54,5% a proporção de crianças muito abaixo do peso entre março de 2020 e novembro de 2021. No mesmo período, a proporção de crianças até 5 anos de idade incompletos abaixo do peso ou muito abaixo do peso foi de cerca de 4,3%. Entre março de 2020 e dezembro de 2021, a inflação de alimentos e bebidas das famílias com crianças até 6 anos de idade aumentou 63%, enquanto o aumento do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de alimentos e bebidas para a população em geral, no mesmo período, foi de 5,4%.
Em relação à saúde, o estudo mostra que a aplicação das dez vacinas específicas da primeira infância terminou o ano de 2021 com cobertura inferior à registrada em 2019. A BCG – vacina contra tuberculose, cuja sigla significa Bacilo Calmette-Guérin -, por exemplo, tinha cobertura de 86,6% em 2019. Em 2021, caiu para 68,6%. Já a vacinação contra a poliomielite foi de 84,1% para 69,4% no mesmo período.
Outro estudo, divulgado em julho deste ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Unicef, mostra que, em todo o mundo, após 2 anos de pandemia, foi registrada a maior queda contínua nas vacinações infantis dos últimos 30 anos. O Brasil está entre os dez países no mundo com a maior quantidade de crianças com a vacinação atrasada.
“A pandemia teve um impacto muito grande nessa cobertura [vacinal]. Uma das prioridades para a área da saúde é certamente retomar esse calendário vacinal e recompor uma trajetória de alcance das metas que são preconizadas pelo Ministério da Saúde para que evite epidemias e até doenças que já foram extintas ou controladas”, defende Marina Fragata.
Na educação, os dados mostram que as taxas brutas de matrículas na educação infantil caíram entre 2019 e 2021, tanto na creche quanto na pré-escola. Nas creches, que atendem a crianças de até 3 anos de idade, a retração foi de 2,8 pontos percentuais, o que significou a diminuição de quase 338 mil matrículas no período. Já na pré-escola, a taxa bruta de matrículas ficou em 83,7% em 2021. De 2019 a 2021, a retração foi ainda maior do que na creche, registrando 4,1 pontos percentuais.
No Brasil, a educação é obrigatória a partir dos 4 anos de idade e, por lei, pelo Plano Nacional de Educação (PNE), o Brasil deveria ter universalizado essa etapa de ensino até 2016.
“Temos um risco de retrocesso de cobertura da educação infantil. Isso é real, tem sido alerta de especialistas e isso se confirmou nesses dados”, disse o pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro Tiago Lisboa Bartholo, um dos pesquisadores convidados para o estudo na área de educação. “O papel central da escola, em especial da escola pública, é aumentar as oportunidades educacionais e impulsionar em especial as crianças em maior vulnerabilidade. Elas que se beneficiam mais”, disse.
Outro estudo do qual participou, em conjunto com outros pesquisadores, mostrou, com base em escolas do Rio de Janeiro, a queda da aprendizagem das crianças durante a pandemia, com o fechamento das escolas e a adoção de aulas remotas. As crianças aprenderam, em média, 65% do que geralmente aprendiam em aulas presenciais. Isso equivale a cerca de 4 meses de aulas perdidas. Crianças em situação de maior vulnerabilidade social aprenderam, em média, quase a metade (48%), do que seria esperado em aulas presenciais.
Segundo o pesquisador, a queda das matrículas deu-se, principalmente, nas escolas particulares. Pode ter ocorrido devido a perda de renda dos pais e responsáveis e até mesmo pelo fechamento das escolas diante da redução de alunos.
Os dados de 2022 deverão mostrar se houve uma recuperação dessas matrículas seja o setor privado ou no público.De acordo com a diretora de Conhecimento Aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Marina Fragata, um dos objetivos do estudo é o de chamar a atenção para os impactos da pandemia nessa faixa etária e oferecer informações e dados para subsidiar políticas públicas.
“A gente precisa pensar que, para reverter os efeitos da pandemia, a gente precisa de atuação coordenada de diferentes níveis, no federal, no estadual e nos municípios. A gente também precisa entender que cuidar da criança significa também cuidar de seus cuidadores, ou seja, das mães, que são a maioria. Tem muitas mães solos, mas também dos pais e cuidadores principais. Eles precisam estar inseridos nessas políticas e com acesso a serviços de qualidade”.
FONTE:CORREIO DO ESTADO