A demanda dos consumidores por crédito sofreu uma forte retração de -12,5% no primeiro semestre deste ano, de acordo com levantamento da Serasa Experian, que atua no monitoramento e negociação de dívidas.
Trata-se do maior recuo desde que as comparações anuais desse indicador começaram a ser produzidas pela empresa, em 2008.
Brasileiros de todas as faixas de renda frearam a busca por recursos, em especial os mais pobres. A contração foi de -14,4% entre os que ganham até R$ 500. Na faixa mais elevada, entre os que tem rendimento acima de R$ 10 mil, a retração foi de -9,5% (veja tabela ao final do texto).
A demanda por recursos foi afetada negativamente em todos os estados, com 16 deles registrando recuos maiores que a média nacional, caso de Amapá (-25%), Rio de Janeiro (-22,5%) e Alagoas (-21,5%).
O histórico do levantamento também mostra que a retração na casa dos dois dígitos não tem paralelo, mesmo em momentos mais recentes de fragilidade financeira.
Houve queda de -6,8% de janeiro a junho de 2009, quando chegaram ao Brasil os efeitos mais fortes da crise financeira global, iniciada com a quebra do mercado imobiliário nos Estados Unidos, em 2008. No primeiro semestre de 2014, marcando a crise econômica e política que levou o país à recessão, a queda também foi menor, de -5,4%.
O resultado deste ano também é pior frente a retração anterior, de -8,1%, registrada no primeiro semestre de 2020, início da pandemia de Covid-19.
O diferencial que agora afeta negativamente o ânimo dos tomadores de crédito é o tamanho e o prazo da alta de juros, explica Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.
“Estamos vivendo um dos maiores apertos monetários da história recente, com o Banco Central elevando a Selic, taxa básica de juros, de 2% em março de 2021, a 13,75% desde agosto do ano passado, para combater a inflação”, afirma ele.
“Um dos principais canais desse combate inflacionário é a cadeia de crédito, pois a retração do crédito leva à redução do consumo e das vendas, o que esfria a economia e promove o processo de desinflação.”
Rabi explica que a retração já vinha ocorrendo desde meados de 2022. No acumulado do ano passado ficou em -3%. No entanto, se acentuo neste início de 2023, na medida em que a alta nos juros foi fazendo efeito.
Quando ocorre uma mexida na taxa básica, os efeitos sobre a atividade econômica levam cerca de nove meses –às vezes um pouco mais, ou um pouco menos– para serem percebidos.
“Podemos dizer que estamos vivendo o auge da restrição monetária”, afirma o economista. “As pessoas percebem, por exemplo, que uma prestação já não cabe no bolso e adiam a compra, seja de um eletrodoméstico, de um carro ou de um imóvel.”
O economista acrescenta que praticamente todos os tipos de linhas de crédito para pessoa física foram afetados. Em relação ao ano passado, foi registrado recuo na busca por empréstimo pessoal, financiamento de veículos e imóveis, e queda até no consignado..
Por causa desse efeito dominó, a manutenção da Selic em 13,75% tem gerado críticas do setor produtivo e até de políticos contra o Banco Central. Desde fevereiro, integrantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva cobram publicamente do presidente da instituição, Roberto Campos Neto, que comece a cortar a taxa de juros.
Outra variável que está impactando o mercado de crédito é a inadimplência, diz Rabi. Até um ano e meio atrás eram 62 milhões de brasileiros que tinham pagamentos de dívidas em atraso. Hoje são 72 milhões.
“Em 18 meses, mais 10 milhões de brasileiros perderam o acesso ao crédito”, afirma.
“Essas pessoas acabam indo para o cheque especial e para o rotativo do cartão de crédito, quando ainda têm, que são as duas modalidades de crédito que ainda estão subindo neste ano, segundo o relatório do Banco Central. Tem uma terceira, mas que não conta, o crédito rural, que é uma modalidade muito particular.”
Rabi lembra que o cenário só vai começar a mudar para melhor quando o país entrar no ciclo de queda da taxa básica de juros que, ele diz ter convicção, começa no mês que vem.
“Eu não acredito que o Banco Central adie o início da queda da taxa básica”, afirma.
“Sem sombra de dúvidas, o Banco Central começa a reduzir a Selic agora em agosto porque não há nada no radar para adiar esse movimento. Só algo muito inusitado, como uma inesperada crise bancária, poderia alterar esse cenário.”
Rabi, no entanto, reforça que, como a redução será gradual, a retomada do crédito será igualmente lenta.
Também graduais, diz ele, serão os efeitos do Desenrola, o programa de renegociação de dívidas do governo federal que está em operação desde segunda-feira (17). Mesmo que o nome esteja limpo, o custo do financiamento ainda vai restringir a busca por crédito.
O Indicador Serasa Experian da Demanda do Consumidor por Crédito leva em consideração os CPFs consultados mensalmente em sua base de dados nas transações entre consumidores e instituições do sistema financeiro ou empresas não financeiras.
DEMANDA DO CONSUMIDOR POR CRÉDITO
por faixas de renda, acumulado no primeiro semestre
Até R$ 500 -14,4%
R$ 500 a R$ 1.000 -13,8%
R$ 1.000 a R$ 2.000 -11,5%
R$ 2.000 a R$ 5.000 -10,6%
R$ 5.000 a R$ 10.000 -10,0%
Mais de R$ 10.000 -9,5%
Fonte: Serasa Experian
FONTE: CORREIO DO ESTADO