Com o placar em 2 a 2, faltando apenas mais um voto, a Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu nesta terça-feira (9) mais uma vez o julgamento sobre a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro no processo em que o ex-presidente Lula (PT) foi condenado sob acusação de receber um tríplex em Guarujá (SP) como forma de propina da empreiteira OAS.

O julgamento foi interrompido por pedido de vista (mais tempo para analisar) do ministro Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, e ainda não tem data marcada para ser retomado.

Nesta terça-feira (9), os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowsk votaram pela anulação de todos os atos assinados por Moro na ação que trata do apartamento no litoral paulista. Os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia se posicionaram a favor de Moro no final de 2018, quando a análise do caso foi iniciada e suspensa por pedido de vista de Gilmar Mendes.

Nesta terça, porém, Cármen Lúcia indicou que dará um novo voto sobre o tema, o que levou a especulações de que pode mudar de posição.

“Eu tenho voto escrito, mas vou aguardar o voto-vista do ministro Kassio. Vossa Excelência trouxe um voto profundo, com dados muito graves. Darei o meu voto”, disse a ministra.

Quando a ministra participou do julgamento, em 2018, ainda não haviam sido divulgadas as mensagens hackeadas de integrantes da Lava Jato.

A defesa de Lula afirma que os diálogos reforçam a acusação de parcialidade de Moro por demonstrar uma atuação muito próxima do então magistrado com o MPF (Ministério Público Federal), responsável pela acusação.

Com a suspensão do julgamento da Segunda Turma, segue válida a decisão de segunda-feira (8) de Fachin de anular as condenações em primeira e segunda instâncias e no STJ (Superior Tribunal de Justiça) contra o ex-presidente sobre o tríplex, assim como a do sítio de Atibaia e duas ações a respeito do Instituto Lula.

O relator da Lava Jato afirmou que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para julgar Lula, invalidou as decisões das instâncias inferiores e remeteu o caso para a Justiça Federal do Distrito Federal. Com isso, o ex-presidente recupera seus direitos políticos, podendo ser candidato nas eleições de 2022.

Fachin, no entanto, não anulou as provas e determinou que a Justiça do DF analise a denúncia apresentada pelo MPF para retomar as investigações. A decisão do ministro ainda será analisada pelo plenário do STF.

No caso da suspeição, por sua vez, Gilmar e Lewandowksi defenderam nesta terça que todas as provas devem ser anuladas, o que reduz ainda mais a chance de o caso do tríplex ter novas consequências para Lula.

Nesse cenário, o processo seguiria para a Justiça do DF da mesma forma, mas o juiz terá que mandar os autos para o MPF retirar as provas consideradas ilícitas pela a 2ª Turma, ou seja, todas as que tiveram anuência de Moro.

Nesta terça, o julgamento começou com uma derrota de Fachin, que defendeu que sua decisão de anular os processos de Lula levava à perda de objeto do habeas corpus em que a defesa pede a declaração de suspeição de Moro.

Antes de a sessão começar, Fachi pediu ao presidente do STF, Luiz Fux, que o plenário decide sobre esse assunto. Não há ainda previsão sobre a resposta de Fux.

Gilmar, Lewandowski, Kassio e Cármen divergiram da tese de Fachin e votaram pelo prosseguimento da análise do caso pela Segunra Turma.

Primeiro a votar, Gilmar fez duras críticas à Lava Jato e Moro chegou a afirmar que se trata do “maior escândalo judicial da história”.

“Meu voto não apenas descreve cadeia sucessiva a compromisso da imparcialidade como explicita surgimento e funcionamento do maior escândalo judicial da nossa história”, disse Gilmar.

O ministro enumerou fatos que entende justificar a declaração de suspeição.

Entre eles, foram mencionadas a “ilegal condução coercitiva de Lula” no início do processo; a “arbitrária quebra do sigilo telefônico de familiares e até de advogados” do petista; “a atuação de Moro para impedir a ordem de soltura contra Lula” por Rogério Favreto no plantão do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região); e “o fato de, na última semana antes das eleições de 2018, ter levantado o sigilo, sem pedido do MPF, de parte da delação premiada de Antônio Palocci Filho.

Além disso, Gilmar também citou “o fato de Sergio Moro ter assumido o Ministério da Justiça do governo do opositor político” de Lula. O ex-juiz pediu demissão em abril do ano passado, acusando Bolsonaro de interferir no comando da Polícia Federal.

Lewandowski também tratou das mensagens hackeadas de integrantes da Lava Jato e apreendidas pela Polícia Federal no âmbito da Operação Spoofing. Recentemente, a Segunda Turma autorizou ao petista ter acesso aos diálogos.

“O exame pericial dos meios eletrônicos e a falta de quaisquer indícios de que tenham sido manipulados pelos supostos hackers conferem plena credibilidade à existência das conversas mantidas pelo ex-juiz Serio Moro com os procuradores para combinar estratégias processuais que acabaram por resultar na condenação do paciente”, disse.

Gilmar também leu parte das conversas mantidas por procuradores da Lava Jato e fez críticas à operação que foram muito além do caso específico do petista.

O ministro atacou as prisões preventivas alongadas e afirmou que Moro atuava como integrante do Ministério Público, responsável por fazer as acusações. “Em outras palavras, ele não se conteve em pular o balcão”, disse.

Gilmar também criticou a imprensa e afirmou que se estabeleceu um “conluio vergonhoso entre a mídia e os procuradores e o juiz”.

Outro alvo do ministro foi a 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que tem como chefe o juiz Marcelo Bretas. Gilmar já revogou diversas decisões do magistrado responsável pela Lava Jato no Rio e, nesta terça, afirmou que “não sabe como ainda não veio à tona” um escândalo sobre o trabalho daquela vara.

“O que se fala em torno dessa vara também é de de corar frade de pedra”, disse.

Ele pontuou o voto com muitas frases de efeito: “Ninguém pode se achar o ó do borogodó. Cada um vai ter seu tamanho no final da história. Um pouco mais de modéstia. Calcem as sandálias da humildade”.

No habeas corpus, a defesa do ex-presidente apontou diversos fatos que comprovariam a parcialidade de Moro, como o deferimento da condução coercitiva, em março de 2016, sem prévia intimação para oitiva; autorização para interceptações telefônicas do ex-presidente, familiares e advogados antes de adotadas outras medidas investigativas; a divulgação de grampos; e a atuação durante o plantão do desembargador Federal Rogério Favreto para que Lula não fosse solto.

Depois, a defesa ainda acrescentou o argumento de que a posse de Moro como ministro da Justiça de Jair Bolsonaro seria outro indício de que o ex-magistrado teria atuado de maneira parcial.

A defesa também juntou aos autos, em 2019, diálogos obtidos pelo site The Intercept Brasil e publicados por outros veículos de imprensa entre integrantes da Lava Jato que indicam uma relação próxima de Moro com o Ministério Público Federal, responsável pela acusação.

Logo após a divulgação das mensagens, a defesa anexou as reportagens que tratavam do assunto para reforçar seus argumentos de que o ex-juiz não agiu com equidistância na Lava Jato.

Paralelamente, em outro procedimento em análise no Supremo, sobre uma ação penal ainda em tramitação no Paraná, conseguiu ordem do ministro Ricardo Lewandowski para ter acesso ao conteúdo hackeado de celulares de autoridades na operação.

A determinação foi efetivamente cumprida em janeiro e recebeu o aval de outros ministros da corte em sessão da Segunda Turma do tribunal no início deste mês.

A defesa do ex-presidente, porém, diz que não precisa juntar mais elementos nesse pedido de habeas corpus para provar a parcialidade do ex-magistrado.

Fonte: Correio do Estado