Cartão-postal dos mais conhecidos em Campo Grande, a Casa do Artesão passa por uma grande reforma, em toda a estrutura de seu prédio, desde outubro de 2021 e deve ser reaberta antes do previsto.
A Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS) anunciou, na sexta-feira, que a demolição da alvenaria já foi concluída e que a entrega da obra, programada para outubro, tem tudo para levar menos tempo, apesar de as chuvas dos últimos dias representarem um desafio a mais no andamento dos trabalhos.
Desafio maior, garante Antonio Sarasá, são as minúcias específicas da etapa de restauração, em que arte, conhecimento histórico e ciência operam em conjunto para conferir, da estética aos materiais empregados, um valor agregado relacionado ao lugar como um bem cultural de pertencimento coletivo e subjetivo no usufruto e na sensibilidade de moradores e visitantes.
Sarasá é o responsável pelo restauro da Casa do Artesão. Ele explica que “neste momento”, como é período de chuvas, não se pode mexer muito na cobertura. O imóvel completa um século de existência em 2023 e se localiza no número 2.050 da Avenida Calógeras.
“Estamos trabalhando mais na parte interna. A partir de abril, vamos mexer mais na parte externa. A estrutura da cobertura vai ser bem mexida. Na parede, que é o pulmão da casa, vamos colocar reforços na estrutura, para segurar melhor o telhado, que está se movimentando e inclinando”, afirma o restaurador, cujo ofício vem de uma tradição familiar de azulejaria e vitrais com origem na região da Catalunha, na Espanha.
O Estúdio Sarasá tem no currículo a reforma de outros prédios e monumentos em Campo Grande e em outras cidades, a exemplo do Castelinho de Ponta Porã.
MICROSCÓPIO NA ARGAMASSA
“Usamos o microscópio digital para aferir a consistência da argamassa. Antigamente, as construções eram feitas em fundação direta, a água fazia parte da construção. Hoje, não. Nós vamos retirar toda a tinta acrílica da fachada e aplicar argamassa de cal e silicato de potássio, que permitem a transpiração do edifício, aí não vai ficar mais com problemas de umidade”, garante Sarasá, que é membro de entidades do segmento – como a Associação Brasileira de Conservadores e Restauradores de Bens Culturais (Abracor) e a Associação Paulista de Conservadores e Restauradores (APCR) – e participou da elaboração do Código de Ética do Conservador Restaurador.
A Fundação de Cultura é responsável pela gestão do ponto, que, além de concentrar a venda de peças artesanais de produção local, exposições e outros eventos culturais, serve de referência para a memória da atividade no Estado.
O imóvel foi inaugurado em 1923, como a primeira sede do Banco do Brasil da cidade. A última ação de revitalização no edifício foi realizada em fevereiro de 2002.
REFORMA DE DOIS MILHÕES
Para a “reforma completa”, conforme anuncia na divulgação oficial, o governo do Estado destinou R$ 2,2 milhões. O montante foi alocado com a rubrica do pacote de ações Retomada MS.
A reabertura do espaço é aguardada com expectativa, não somente pela população, mas, em especial, pelos artesãos e comerciantes, que precisam da casa como vitrine de suas peças.
Em pleno período de pandemia, com toda a inconstância das atividades no centro da Capital, eles passaram a contar, temporariamente, com a Morada dos Baís para expor e vender sua produção.
A arquiteta Gianne Fabian, da Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos (Agesul), confirma a intenção de entregar a obra “um pouco antes”, antecipando a previsão anterior.
“Agora, estão raspando as esquadrias e a fachada, onde vai ser feita a restauração. A importância do restauro do prédio se dá pelo seu histórico, vai manter aspectos originais para não perder a história, como era feito antigamente, entregando um espaço mais apropriado para a população, com ambiente de convívio, estimulando as pessoas a fazer a visitação”, destaca Gianne.
APRENDENDO COM A CASA
“Tem muita terra na argamassa, isso dá uma série de problemas que começam a degradar a casa como um todo, porque vai subindo a umidade. Com a estratigrafia [mapeamento das camadas que formam ou revestem as paredes], observou-se a cor amarelo original, que vai ser mantida. Nós vamos voltar a trazer a fisiologia da casa, como ela era em suas origens”, pontua Antonio Sarasá.
“A gente está aprendendo com a casa, ela vai contar como ela era, qual era a roupa com que se vestiu na sua juventude. Fazer esse restauro é se encantar e encantar as pessoas. Elas têm que vir aqui e sentir uma emoção, uma relação de pertencimento. É muita paixão envolvida, muito encantamento. Nós queremos passar para as gerações futuras esse conhecimento”, comenta o restaurador.
De acordo com Sarasá, o resgate do valor cultural do imóvel é tão importante quanto a reforma física da Casa do Artesão.
“Procuramos fazer essa interação. A gente vai resgatar a parte física e também a ‘alma’ do espaço. A diferença entre reforma e restauro é que a reforma agrega valor financeiro, o restauro agrega valor histórico-cultural, para ter esse olhar cultural intrínseco. Isso está sendo respeitado, e os artesãos vão poder expor seus produtos em uma casa que mostra o processo de produção deles também. Em abril, vamos fazer uma intervenção para mostrar para a comunidade como está sendo o processo de restauro, para integrar a comunidade”.
HISTÓRIA
A principal ambição da equipe envolvida é resgatar a memória de uma edificação que se confunde com o apogeu da expansão da cidade, “tendo em vista a importância deste período para a história regional”. O resgate da
Casa do Artesão, como já destacado, enseja trazer à tona a memória que essa edificação mantém entre suas paredes.
Sua sede foi construída entre 1918 e 1923, por ordens de Francisco Cetraro e Pasquele Cândida, com projeto do arquiteto e geólogo Camilo Boni (1889-1974).
Além de agência bancária (o antigo cofre do Banco do Brasil ainda está lá e pode ser visitado), o prédio funcionou como ponto comercial e autarquia pública. A inauguração do espaço como Casa do Artesão ocorreu em 1º de setembro de 1975.
Após restauração e revitalização, o local foi reinaugurado em 1990. A edificação é tombada como patrimônio histórico estadual.
FONTE: CORREIO DO ESTADO