Os brasileiros importaram mais de 13 milhões de mercadorias de até US$ 50, em média, nos últimos três meses, isentas de Imposto de Importação. O valor médio mensal declarado no período é de R$ 1 bilhão.
Só em janeiro, o valor declarado chegou a R$ 943,75 milhões. O volume é expressivo, mas está abaixo do pico registrado pela Receita Federal em novembro de 2023, mês da Black Friday, quando o fisco rastreou 14,6 milhões de pacotes nesse valor. Naquele período, as cargas totalizaram R$ 1,2 bilhão.
O valor aduaneiro das encomendas internacionais contidas nessas declarações contempla não só o preço das mercadorias, mas também os custos com frete e seguro (se houver). No mês passado, o valor médio por remessa ficou em R$ 73,33 (o equivalente a US$ 14,80 pela cotação do dólar no fim de janeiro).
Os dados foram obtidos pela Folha via LAI (Lei de Acesso à Informação) e consolidam as declarações informadas pelas empresas que aderiram ao Remessa Conforme.
O programa isenta de Imposto de Importação as remessas de até US$ 50 destinadas a pessoas físicas, além de dar prioridade a esses bens no despacho aduaneiro. Em contrapartida, a companhia se compromete a seguir as regras da Receita Federal.
A criação do programa em junho de 2023 foi uma reação do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao que era visto como uma “sangria desatada” nas compras internacionais. Na avaliação do Executivo, as empresas estavam burlando as regras para enviar remessas ao Brasil sem o pagamento do imposto devido.
Até agora, oito empresas foram certificadas no programa, entre elas as estrangeiras Shein, AliExpress e Shopee.
Os dados disponibilizados pela Receita Federal começam em setembro de 2023, uma vez que as primeiras adesões foram homologadas no fim de agosto. Por isso, não é possível comparar o atual fluxo de mercadorias com o quadro anterior à criação do programa.
No entanto, o governo já identificou uma tendência de queda nas compras internacionais desde a regularização e o monitoramento desse fluxo, como mostrou a Folha de S.Paulo
O recuo nas remessas tem sido um fator de cautela na discussão de eventual taxação das mercadorias de até US$ 50. Até agora, apenas os estados implementaram a cobrança de uma alíquota uniforme de 17% de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre esses produtos.
Os dados da Receita mostram que as mercadorias de até US$ 50 representam, em média, 98% do volume de importações e 95% do montante total declarado desde a criação do Remessa Conforme.
Em janeiro, a quantidade total de encomendas foi de 13,3 milhões, com valor de R$ 1,02 bilhão. Só neste mês, os pacotes de menor valor responderam por 96,5% das declarações e 92,3% do valor de importação.
O temor dos técnicos é que eventual cobrança do imposto federal nas encomendas de até US$ 50 interfira no esforço de regularização das plataformas estrangeiras e reduza drasticamente a demanda dos consumidores, com impacto relevante sobre essas empresas.
Eventual taxação nesse cenário teria, inclusive, um potencial de arrecadação menor, dada a redução das importações.
Produtos acima de US$ 50 sofrem incidência de uma alíquota de 60%, sem contar o ICMS. Empresas como a AliExpress identificaram uma queda significativa das vendas nessa faixa após o programa de regularização, que coibiu a burla ao pagamento do tributo.
Um interlocutor do governo afirma que o mercado de remessas internacionais se mostra “muito elástico”, o que, no jargão econômico, significa que qualquer mudança mínima nos preços (como a introdução do imposto) pode levar a uma variação grande na demanda dos consumidores.
Além disso, segundo esse interlocutor, se antes a administração pública encarava as companhias como “fora da lei”, o atual ambiente de colaboração requer do Executivo uma postura semelhante, tratando agora as plataformas como contribuintes.
A taxação das compras internacionais até US$ 50 tem sido colocada por integrantes do Congresso Nacional como sugestão para compensar as perdas de receita com a manutenção da desoneração da folha de 17 setores da economia e das prefeituras.
A medida também é defendida por varejistas nacionais, que veem na isenção até US$ 50 uma vantagem desproporcional aos artigos estrangeiros.
Uma ala do governo não faz oposição à cobrança do imposto nem descarta sua adoção. O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) já disse que a retomada do imposto seria “o próximo passo” a ser dado pelo governo.
No entanto, a mudança no mercado tem servido de justificativa para outra ala recomendar maior prudência nas discussões da taxação, que também são sensíveis politicamente.
No ano passado, a Fazenda chegou a instituir a cobrança da alíquota sobre as compras internacionais de até US$ 50, mas a reação significativa à medida forçou um recuo.
Na época, a primeira-dama Rosangela Lula da Silva, a Janja, atuou diretamente na articulação para reverter a cobrança.
Ela passou a ser invocada por usuários críticos à medida nas redes sociais para comentar o tema. Segundo aliados, Janja teve influência na decisão de Lula de reverter a cobrança.
FONTE: CORREIO DO ESTADO