Em alusão ao mês da mulher, o Correio do Estado está apresentando nas entrevistas da semana em março personalidades femininas locais que atuam em diferentes segmentos de impacto na vida das sul-mato-grossenses.

Neste sábado, a reportagem entrevistou a delegada titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), na Casa da Mulher Brasileira em Campo Grande, Elaine Benicasa.

Titular da Deam, desde 2021, Elaine informou que, ao ano, mais de 9 mil Boletins de Ocorrências (BOs) são registrados por mulheres vítimas de violência doméstica.

“Registramos ainda mais de 7 mil medidas protetivas solicitadas pelas vítimas”, informou.

Segundo a delegada, para a segurança das mulheres de Mato Grosso do Sul e de todo o País, é preciso ações contínuas de combate à violência, desde a infância até a vida adulta.

“Eu costumo dizer que o combate à violência doméstica é uma luta a longo prazo, não adianta só aumentar as penas dos autores se não trabalharmos a base, tanto na Educação Infantil, voltada para esse sentido de respeito ao próximo, à mulher. Precisamos focar na informação, divulgada de forma ampla, maciça, objetiva, clara, para todos entenderem”, pontuou a delegada.

Elaine esclareceu que o primeiro passo para o combate de crimes contra a mulher já foi dado por meio da Lei 11.340 – Maria da Penha.

“Ela é um avanço irrefutável na proteção e combate à violência contra as mulheres. Esta lei foi o primeiro passo, porém há diversas ações em todas as frentes que devem ser desenvolvidas”, esclareceu.

Como a senhora observa o avanço das políticas públicas e das legislações no Brasil relativas à proteção de mulheres vítimas de violências?

Perceba que a legislação que temos a respeito da proteção dos direitos das mulheres, que é a famosa Lei Maria da Penha, é uma das leis mais modernas do mundo, porém, temos essa contradição, de sermos o País onde mais se matam mulheres por questões de gênero.

Por outro lado, as políticas públicas desenvolvidas ultimamente têm sido intensas, e podemos verificar isso em todas as esferas municipais, estaduais e federais.

Isso vem de certa forma, amenizando os números alarmantes, porque percebemos que os governos, em todas as suas frentes, estão preocupados cada vez mais em proporcionar segurança e informação a todas as mulheres, para que se sintam fortalecidas o suficiente, consigam confiar no sistema, para que saiam desse ciclo de violência doméstica.

Qual é o seu papel na Deam? Quais são os serviços públicos desenvolvidos na área de proteção às mulheres vítimas de violência nesta delegacia?

Meu papel na Deam, como titular da delegacia, é principalmente de gestão e administração, tanto de um plantão que funciona 24 horas, com cinco equipes, delegadas, escrivães e investigadores.

É um expediente com três cartórios, cada cartório com mais de mil boletins de ocorrência. A cada ano, temos mais de 9 mil BOs registrados, mais de 7 mil medidas protetivas solicitadas pelas vítimas [em Campo Grande].

Então a minha função é muito de administração e proporcionar, cada vez mais, um melhor acolhimento e humanização no atendimento das vítimas, como também, na diminuição dos inquéritos e dos boletins que esse tipo de temática produz.

São intensas ocorrências, é o tipo de crime que mais acontece, tanto em termos de Capital e interior, e consequentemente são os crimes que mais resultam em boletins, inquéritos e ações. Então, entre as minhas funções, também dou vazão a todo esse procedimento.

Dar vazão a um procedimento cada vez mais célere, até para preservar a integridade da vítima, com um procedimento de mais qualidade, com provas substanciais e que levem a condenação efetiva dos autores desses crimes.

Para a senhora, o que a Lei 11.340, denominada Maria da Penha, representa para as mulheres? Com esse dispositivo legal, a senhora acredita que um dia o ciclo de violência poderá ser quebrado no Estado?

A lei 11.340, Maria da Penha, é um avanço irrefutável na proteção e no combate à violência contra as mulheres. Esta lei foi o primeiro passo, porém há diversas ações em todas as frentes que devem ser desenvolvidas.

Termos uma legislação que já traz os direitos e instrumentos necessários e eficazes para as mulheres, diretrizes de políticas públicas, a ressocialização em programas voltados aos homens é realmente uma conquista, tendo em vista que vários tratados de direitos humanos sempre solicitaram que nosso País se encaixasse nesse sentido.

Então, é um pontapé, é uma marco inicial.

Porém, todas as entidades e situações que decorrem da lei também são de extrema importância, como a própria rede de proteção às mulheres, formadas por várias instituições, órgãos e entidades, para que a lei tenha um resultado eficaz e efetivo, não seja apenas uma letra morta.

Mas para que tudo que foi previsto, preconizado na lei, possa realmente acontecer, eu costumo dizer que o combate à violência doméstica é um combate a longo prazo, não adianta só aumentar as penas dos autores se não trabalharmos a base.

Tanto na Educação Infantil, voltada para esse sentido de respeito ao próximo, à mulher.

Precisamos focar na informação, divulgada de forma ampla, maciça, objetiva e clara a todas as mulheres, não só as vítimas, porque, muitas vezes, a vítima não consegue denunciar, e são as outras mulheres que vivem ao entorno dela que muitas vezes acabam ajudando a denunciar.

Além da Educação Infantil e da informação, também é de suma importância a reeducação do agressor, com certeza o acolhimento, a humanização da vítima é sempre importante, porém, se não tratarmos do agressor, ele será um destruidor de lares contínuo.

Não adianta nada tirarmos a vítima, tratá-la, se o agressor permanece solto, agindo repetidamente da mesma forma, destruindo outras vidas.

Como a senhora avalia a violência contra a mulher em Mato Grosso do Sul? E na Capital?

A violência doméstica em Mato Grosso do Sul como um todo e na Capital possui contornos distintos. Nós podemos usar como parâmetro o ano de 2021, em que houve um grande número de homicídios consumados no interior, ao passo que em Campo Grande houve na verdade diminuição considerável do número desses crimes.

E a razão, com certeza, é a presença da Casa da Mulher Brasileira na Capital.

A Casa da Mulher Brasileira possui uma rede de proteção bastante fortalecida, onde há uma ampla divulgação de todos os trabalhos e de todas políticas públicas.

Elas se sentem cada vez mais fortalecidas, para que apareçam em uma delegacia de polícia, para registrar a ocorrência contra o agressor.

Além de solicitar medida protetiva, fazendo com que na maioria das vezes o autor se sinta amedrontado e com receio de praticar outros delitos, como o próprio feminicídio.

O número de violência doméstica, porém, tem aumentado de forma generalizada, tanto no interior como na Capital.

Por exemplo, os crimes de lesão e ameaça têm tido um crescimento bem exponencial há anos, e que inclusive aumentou nesse tempo de pandemia de Covid-19, por conta da necessidade de permanência no ambiente doméstico.

Como a Lei do Feminicídio, que completou sete anos, impactou no combate à violência contra a mulher?

A Lei do Feminicídio, de certa forma, trouxe consequências maiores e especificou o crime de violência de gênero contra as mulheres.

Antes, tínhamos o homicídio, e não crime com especificidade, com as elementares, destinado à vítima mulher, quando vítima de homicídio, trouxe uma qualificadora para o crime de homicídio com consequências típicas e próprias para esse tipo de situação.

Peço para a senhora traçar um panorama da violência em MS. O nosso Estado continua como um dos mais violentos contra as mulheres?

Então, a violência no nosso Estado tem crescido como em todo o País. Como eu disse, o crime de violência doméstica, em regra, é um crime praticado entre paredes, no ambiente doméstico. Então, a pandemia obviamente potencializou esses tipos de ocorrências, de uma maneira geral.

Por outro lado, o crime mais grave que é o feminicídio, se olharmos de uma maneira focal, na Capital, tem diminuído, em razão do excelente trabalho que todas instituições unidas pela rede de apoio de atendimento da mulher, que é representada pela Casa da Mulher Brasileira.

Neste ano de 2022, já tivemos dois homicídios consumados na Capital, igualando à quantidade de feminicídios que tivemos em Campo Grande no ano passado.

Como a senhora avalia a inserção feminina nas polícias civis e militares no Estado? Como observa a receptividade e a credibilidade das mulheres nestes setores, que historicamente se pautam pelo paradigma da masculinidade e da força?

A inserção feminina nas polícias civis e militares tem sido cada vez maior, e as instituições só tendem a ganhar com esse aumento no número de mulheres.

Nós sabemos que se comparado com o número de homens é um quantitativo pequeno ainda, porém também temos de ter o conhecimento de que muitas mulheres não querem ocupar esses espaços.

O que é completamente compreensível, e não são nem menos e nem mais do que estas que estão na segurança pública.

Em específico na segurança pública, há, sim, uma melhoria com a entrada dessas policiais, resultando em uma administração diferenciada, muito mais empática, muito mais detalhista. Trás, sim, de fato, uma competência diferente.

Perfil – Elaine Benicasa

Natural de Marília, cidade do interior do estado de São Paulo, Elaine Benicasa, de 42 anos, iniciou sua carreira como delegada de polícia em 2010, quando foi aprovada em um concurso público e passou a delegar na 1º Distrito Policial de Corumbá, onde permaneceu por dois anos.

Em seguida, passou pela Delegacia de Atendimento à Mulher de Jardim, como titular, onde permaneceu por três anos. Em 2010, veio para a Deam, em Campo Grande, como delegada plantonista, passando a ser titular da unidade em 2021, onde permanece até o momento.

Fonte: Correio do Estado