Após permanecer em nível elevado durante a pandemia, o indicador de queixas apresentou quedas durante 2022 e depois se firmou em patamares estáveis. Na última atualização, porém, o número voltou a subir.
No total, o último trimestre do ano passado somou mais de 20 mil reclamações contra companhias brasileiras.
Ao considerar o ano inteiro, as empresas brasileiras acumularam quase 71 mil queixas. O patamar está abaixo do registrado nos últimos dois anos, mas representa o dobro das reclamações contabilizadas em 2019, antes da pandemia.
A Gol beirou as 90 queixas por 100 mil passageiros no quarto trimestre de 2023 –o maior índice entre as companhias brasileiras– e acumulou quase 7.000 reclamações nos três últimos meses do ano passado.
O cenário antecede o pedido de recuperação judicial da empresa, protocolado em janeiro na Justiça dos Estados Unidos.
Procurada pela reportagem, a Gol disse que reduziu em 28,68% o número de reclamações a cada 100 mil passageiros, saindo de 107,88 em 2022 para 76,94 em 2023. A comparação feita pela empresa considera o ano fechado, não o trimestre.
“A companhia segue trabalhando para diminuir cada vez mais esse indicador, mas valoriza a clara evolução apresentada”, afirma a Gol, em nota.
No geral, a maior parte das reclamações contra as companhias brasileiras no último trimestre está relacionada a alterações de voos, problemas com prazo ou valor de reembolsos, funcionamento dos canais das companhias para alterações contratuais, entre outros.
Enquanto o número de queixas volta a crescer, as companhias aéreas e seus representantes mantêm as críticas sobre a judicialização no país, recorrentemente relatada pelo setor.
José Ricardo Botelho, da Alta (Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo), afirma que “no Brasil há uma indústria de judicialização”.
“Quando está chovendo muito, a companhia não vai decolar porque os espaços aéreos estão fechados. A empresa está protegendo o consumidor, mas, no Brasil, mesmo a companhia fazendo isso, ela está sendo condenada ao pagamento de dano moral”, diz.
Newsletter Folha Mercado Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes. *** Segundo Botelho, as companhias aéreas que atuam no país têm de reservar uma parte do que é cobrado no bilhete aéreo para custos de ações judiciais.
“A passagem está cara, mas é porque o passageiro está tendo que pagar, também, um valor relacionado a essa judicialização”, afirma.
Segundo a Iata (Associação Internacional do Transporte Aéreo), a probabilidade de uma empresa aérea enfrentar processos no Brasil é 7.000 vezes maior do que nos Estados Unidos.
O levantamento da associação mostra que, enquanto nos EUA uma ação judicial é movida a cada 12.685 voos operados, no Brasil, a mesma empresa enfrenta uma ação judicial a cada 1,8 voo.
À Folha de S.Paulo a Latam afirma que mais de 98% dos processos enfrentados pelo grupo estão no Brasil, país que representa menos da metade da operação da empresa.
De acordo com a companhia, a quantidade de ações judiciais aumentou em quase 33% de 2022 para 2023. “Os casos de litígio mais recorrentes são temas que poderiam ser solucionados por meio dos canais de atendimento ao cliente”, diz a Latam.
A Azul aponta a judicialização como um problema crítico do país. A companhia cita inviabilidade econômica das empresas, aumento dos custos e das passagens aéreas, redução da oferta de voos e sobrecarga judicial como consequências desse cenário.
Segundo dados da Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), o valor destinado a indenizações extrajudiciais e condenações judiciais representam, somente, 1% das despesas operacionais das companhias aéreas, atrás de outras fatias mais onerosas, como combustíveis e lubrificantes (41% dos custos). A Alta, no entanto, pondera que os gastos com judicialização chega a cifras bilionárias por ano.
Cláudio Candiota, presidente da Andep (associação que dá assistência a passageiros aéreos), afirma que os casos mais comuns para processos judiciais ou reclamações de clientes atendidos pela entidade são os cancelamentos de voos.
“As tarifas estão muito altas, e o serviço não corresponde ao preço. A impressão que dá é que as empresas estão no ‘modo sobrevivendo'”, afirma.
A saída para alguns clientes é judicializar. É o caso da advogada Karolina Bickel, 23, que conseguiu, no ano passado, uma indenização de R$ 3.000 por danos morais após seu voo, que ia de São Paulo a Vitória, ser cancelado por causa de uma manutenção não programada na aeronave.
A Latam, empresa responsável pelo voo, também teve de pagar R$ 654 por gastos que Bickel teve com nova passagem e transporte.
“A gente teve de sair do avião, foi aquele vexame de pegar a bagagem, voltar para onde a gente estava. Eu, simplesmente, voltei [para Vitória] por conta própria, paguei a minha hospedagem, transporte e depois entrei com o processo contra a companhia, porque no dia seguinte eu já tinha aula, tinha vários cursos para fazer”, afirma Bickel.
O ICA Advocacia, especializado em ações contra companhias aéreas, afirma que a maior parte dos casos judiciais de seus clientes está relacionada a cancelamentos sem aviso prévio e atraso por mais de quatro horas. Há, no entanto, fatias menores que correspondem a problemas como extravio de bagagem e overbooking.