Para o Instituto Gallup e a Meta —dona de WhatsApp, Facebook e Instagram—, uma em cada quatro pessoas no planeta se sente solitária. Mas o que a pesquisa das duas companhias não responde é quantas delas estão felizes com isso.

A aposta de empresas de tecnologia, alimentação e serviços é que são muitas. Para especialistas, a chamada “economia da solidão” vai crescer ainda mais.

“É uma área de estudos muito incipiente ainda. É algo bem recente. O que vemos são serviços voltados para a área de tecnologia que entendem a questão do indivíduo”, constata Silvye Massaini, professora de finanças da ESPM no curso de administração.

De acordo com dados do Gallup e da Meta do final do ano passado, 24% da população de 142 países se declara muito ou razoavelmente solitária. São cerca de um bilhão de pessoas.

O número pode ser ainda maior porque a China não foi pesquisada. O percentual de solidão é o mesmo para homens e mulheres. No Brasil, 15% dos entrevistados afirmaram ser sozinhos.

Não está claro nem foi questionado quantos pesquisados chamariam o que sentem de solidão ou solitude, na definição cunhada pelo teólogo e filósofo alemão Paul Johannes Oskar Tillich em seu livro “The Eternal Now” (O eterno agora, em português).

De origem latina, solitude pode ser traduzida como “a glória de estar sozinho”. Significa, na explicação de Tillich, estar feliz com a escolha deliberada de estar só.

“Estudos relatam que quem costuma sair sem companhia economiza mais dinheiro e tem mais facilidade para tomar decisões de consumo. Em grupos, há a tendência a consumir mais porque há pressão social. Todo mundo pediu mais uma bebida, então você tem de pedir também”, diz Annaysa Salvador Muniz Kamiya, especialista em comportamento do consumidor e professora de pesquisa de mercado e estatística aplicada da ESPM.

“No supermercado, a pessoa que está sozinha se dá ao luxo de consumir coisas que não consumiria em grupo por causa do custo. E as empresas perceberam isso e lançam embalagens mais compactas”, afirma.

No Reino Unido, o serviço Open Table, de reservas de mesas em restaurantes, registrou aumento de 160% nos pedidos para mesas individuais na última década.

Chefs de cozinha, como o inglês Jamie Oliver, fizeram fama e fortuna com livros e programas de TV com receitas a serem preparadas rapidamente em casa.

O Uber incluiu a opção, em diferentes países, inclusive no Brasil, de viajar em silêncio, com o motorista alertado para não puxar conversa. Isso está disponível nos carros da categoria Comfort.

Aparelhos para a casa como Alexa e Siri são capazes de manter conversas superficiais, responder perguntas e dar “bom dia”.

No Japão, se tornou popular o serviço “rent a girlfriend” (alugue uma namorada, em inglês), em que é possível conseguir, mediante pagamento de US$ 40 por hora (cerca de R$ 200 pela cotação atual), uma companhia temporária que não envolve relação sexual. Sites como cuddlist.com disponibilizam sessões de abraços por 60 minutos. O preço é US$ 60 (cerca de R$ 300).

A pandemia da Covid-19 aumentou em mais de 300% a procura pelo Lovot, um robô que faz o papel de bicho de estimação, mantém a temperatura próxima a do ser humano e pede abraços. Plataformas como a VRChat projetam ambientes de realidade virtual com imersão do usuário e avatares customizados.

Segundo o Financial Times, gerentes de fundos de investimento iniciaram projetos de análises aprofundadas da “economia da solidão” para identificar padrões de consumo de pessoas que moram e fazem diferentes atividades sozinhas.

Para a publicação, videogames, serviços de streaming, realidade virtual e algumas versões de metaverso são candidatos mais óbvios. Mas há a preocupação em entender como esse consumidor se comporta para comprar imóvel, comida e viagens.

Especialistas como a historiadora inglesa Fay Bounf Alberti definem a solidão como um fenômeno que se exacerbou a partir do século 18, quando a privacidade se transformou em bem de consumo. Houve também o afastamento de tudo o que é religioso.

Alberti, assim como outra britânica, a economista Noreena Hertz, coloca a culpa no capitalismo.

Em seu livro “O Século da Solidão” (publicado no Brasil pela editora Record), Hertz argumenta que governos conservadores como os de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e Margareth Thatcher, no Reino Unido, fizeram as pessoas enfatizarem o bem individual sobre o coletivo.

Pela pesquisa do Gallup/Meta, a maior solidão (ou solitude) está entre as pessoas de 15 a 29 anos (entre 25% e 27%). Gente que não era nascida na primeira metade da década de 1980, quando Reagan e Thatcher estavam no poder.

“Isso afeta mais os jovens, e a adolescência é um período marcante na socialização. Se eu perguntar qual é a música do seu tempo, você vai dizer uma de quando tinha entre 13 e 15 anos. Quem tem 40 anos sente falta de se juntar com amigos e jogar conversa fora. Quem não teve isso não vai sentir falta. Pode se sentir estranho, achar que algo não está bem, mas não consegue perceber [o que está errado]. Quando você vai na lavanderia, na farmácia, encontra pessoas, conversa. Hoje tem delivery e isso pode ser bom para a economia, mas pode ter consequência séria para a saúde mental das pessoas”, avisa Gisela Monteiro, coordenadora do curso de psicologia da Unisanta (Universidade Santa Cecília).

Notado recentemente, especialmente após a pandemia, a economia da solidão não é nova. Nem a busca por um substituto ao contato humano apareceu neste século.

Em 1975, nos Estados Unidos, um empresário chamado Gary Dahl colocou no mercado uma pedra batizada de “pet rock” (pedra de estimação, em inglês). Era uma rocha comum. Mas ele percebeu que as pessoas têm a tendência a imaginar características humanas em coisas inanimadas.

Armazenada em uma caixa de papelão, o objeto vinha com manual de instruções de 30 páginas ensinando “como cuidar” da pedra. Dahl vendeu 1,5 milhão de exemplares. Ficou rico do dia para a noite.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO