O estado de Mato Grosso do Sul vai proibir o plantio de monoculturas no Pantanal, sendo a soja a principal delas.
A decisão foi tomada ontem pelo governador Eduardo Riedel (PSDB), após uma série de reuniões com técnicos do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, deputados federais e também com integrantes da sociedade civil ligados à produção rural e ao meio ambiente.
A medida é uma das poucas decisões tidas como certas na Lei do Pantanal, cujo texto será redigido ao longo do segundo semestre e enviado para a Assembleia Legislativa até o fim do ano.
Até lá, o governo de Eduardo Riedel suspenderá as licenças ambientais concedidas com base no Decreto Estadual nº 14.273/2015, do ex-governador Reinaldo Azambuja (PSDB), que afrouxou as regras para a supressão vegetal das propriedades rurais dentro do bioma e não proibiu nem restringiu o cultivo de monoculturas como a soja e o milho dentro das fazendas.
O Pantanal já vinha sendo ocupado por essas monoculturas em algumas propriedades, conforme detectou o Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul (MPMS), em inquérito que apura a devastação do bioma pantaneiro.
A suspensão das licenças ambientais para supressão vegetal no Pantanal foi uma medida política tomada por Eduardo Riedel, a fim de evitar um conflito maior, o qual poderia – e ainda pode – gerar muito mais desgaste: a atuação de órgãos federais para barrar o desmatamento de mata nativa no bioma.
O primeiro movimento nesse sentido ocorreu no início do mês e foi noticiado com exclusividade pelo Correio do Estado na edição de quarta-feira: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) já tem pronta uma resolução que torna sem efeito todas as licenças que permitem o desflorestamento de vegetação pantaneira segundo os critérios do decreto de 2015 assinado por Azambuja.
De acordo com a resolução, para a supressão vegetal em fazendas pantaneiras, muito mais critérios teriam de ser levados em conta, como a consideração de estudos científicos conclusivos que abordem aspectos como diversidade das paisagens e ecossistemas, das espécies (em particular as ameaçadas de extinção), das fitofisionomias e dos ambientes aquáticos raros, dos solos e da fauna associada, do regime hídrico e dos pulsos de inundação, do ciclo reprodutivo das espécies, dos ecossistemas e das espécies vegetais importantes para a reprodução de espécies da fauna e dos ambientes aquáticos importantes para a conectividade das paisagens, além da presença dos povos indígenas.
As exigências praticamente anulam todos os estudos ambientais feitos pelos fazendeiros do Pantanal nos últimos oito anos e que foram aprovados pelo Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul).
Além da resolução do Conama, já haviam minutas de projeto de lei para serem protocoladas na Câmara dos Deputados. Ainda, três notas técnicas do Ministério do Meio Ambiente alertam para a permissividade do decreto de Azambuja que embasava as autorizações do Imasul para suprimir vegetação das propriedades pantaneiras.
O desmatamento, que já havia crescido desde 2015, disparou no primeiro semestre apesar das chuvas constantes e intensas ao longo do período, principalmente em junho. Dados do MapBiomas divulgados pelo Instituto SOS Pantanal revelam que exatos 25.543,1 hectares foram suprimidos no primeiro semestre, o que representa um aumento de 175% na comparação com os 9,3 mil hectares de igual período no ano passado.
Construção
A decisão de Eduardo de Riedel de proibir o plantio de soja no Pantanal é uma tentativa de acalmar os ânimos com autoridades federais e ambientalistas.
O Estado vem fazendo um esforço para divulgar sua agenda 2030, em que estabeleceu metas de zerar a emissão de carbono na atmosfera até lá. Além do compromisso firmado com
a Organização das Nações Unidas (ONU), o objetivo também contribui para atrair investimentos – e o Pantanal é visado internacionalmente.
“Estamos em pleno processo de transição entre um e outro modelo, adotando as primeiras medidas e os novos paradigmas, em busca da descarbonização da economia, de práticas sustentáveis e de uma fórmula inteligente que supere o paradoxo entre crescimento e preservação”, afirmou o governador.
O plantio de soja no Pantanal motivou um projeto de lei protocolado pelo deputado estadual Pedro Kemp (PT) no primeiro semestre. A iniciativa foi do colega deputado estadual Amarildo Cruz (PT), falecido em 17 de março.
A proposta, porém, nem sequer passou pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul.
O relator do projeto, deputado Pedrossian Neto (PSD), disse que a proposta de proibir o plantio de soja no bioma contrariava o “princípio da livre iniciativa”. O parlamentar foi seguido de forma unânime por seus pares.
Resta agora saber se, na proposta de Riedel, a proibição do plantio de soja na planície pantaneira terá o mesmo tratamento e parecer da base governista.
Conciliação
O deputado federal Vander Loubet (PT) foi um dos que intermediaram a conciliação entre as autoridades sul-mato-grossenses e os técnicos do Ministério do Meio Ambiente.
Na manhã de ontem, ele e Eduardo Riedel participaram de uma videoconferência com representantes do ministério, entre os quais João Paulo Capobianco, secretário-executivo da Pasta, e André de Lima, secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial.
“Organizamos essa reunião justamente para evitar conflitos e abrir espaço para que o ministério e o governo estadual possam debater a pauta dessa resolução do Conama. É de nosso total interesse que isso seja resolvido o mais transparente e tranquilamente possível”, defendeu Loubet.
“A preservação do Pantanal e a exploração sustentável do bioma precisam caminhar juntas, e acredito que isso vai ser pactuado entre o Estado e a União”, complementou.
25,4 MIL HECTARES DESMATADOS
No primeiro semestre, o MapBiomas verificou um desmatamento de 25,4 mil hectares de mata nativa do Pantanal sul-mato-grossense – aumento de 175% na comparação com os 9,3 mil hectares devastados de 2022.
FONTE: CORREIO DO ESTADO