A lei que regulamentou as novas formas de negociação da dívida ativa da União com os contribuintes (13.988/2020) completou três anos nesta sexta (14), com um saldo de R$ 404 bilhões em débitos tributários negociados, R$ 22 bilhões arrecadados e a previsão de receitas de R$ 250 bilhões nos próximos anos.
Times de futebol como Vasco, Cruzeiro e Chapecoense, entes públicos e empresas em recuperação judicial estão entre os devedores que acertaram as contas com a PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) nas chamadas transações individuais, aquelas que envolvem valores acima de R$ 10 milhões, desde 2020.
Aeronaves, imóveis, precatórios, direitos sobre marcas e venda de atletas estão entre os ativos entregues à União para garantir o pagamento desses valores.
Segundo a PGFN, um terço dos R$ 2,7 trilhões da dívida ativa da União está classificado atualmente como garantido, negociado ou em processo de quitação, considerando também outros processos de cobrança. Há três anos, eram 14% nessa situação.
A consolidação da transação tributária é um dos fatores que tem contribuído para que União e contribuintes possam deixar para trás os programas de parcelamento no formato Refis, que se mostraram ineficientes para separar o devedor contumaz daqueles que enfrentam problemas financeiros, segundo a procuradoria.
“O Refis não é uma política pública adequada para salvar contribuintes em dificuldade econômica. A intenção nunca foi essa. O programa não é feito para quem está quebrado. Grandes empresas economicamente saudáveis é que se aproveitaram”, afirma João Henrique Chauffaille Grognet, procurador-geral adjunto da Dívida Ativa da União e do FGTS.
Enquanto o Refis era um plano de parcelamento com desconto que desconsidera a capacidade de pagamento do contribuinte, e também as chances de recuperação da dívida, a transação define esses pontos como fundamentais para calcular descontos, entrada, prazo e garantias de pagamento.
“É um remédio moldado para o contribuinte. Tem aquele que vai ter 0,1% de desconto e aquele que vai ter 70%, que é o limite da lei. A política pública ficou mais acertada, porque você dá o desconto na medida da necessidade”, diz Grognet.
Ele destaca que a transação excepcional da Covid-19, modalidade que ficou aberta de 2020 a 2022, a primeira na qual a procuradoria fez um programa amplo em que foi considerada a capacidade de pagamento de empresas e pessoas físicas.
Theo Lucas Borges de Lima Dias, coordenador-geral da Dívida Ativa, diz que cerca de 25% dos acordos firmados até o momento se referem a micro e pequenas empresas, considerando também negociações simplificadas (de R$ 1 milhão a R$ 10 milhões) e a adesão por edital para casos abaixo desse valor.
Dívidas com a Previdência e com o FGTS também têm sido alvo de negociações. Neste último caso, o desconto é aplicado somente ao juro direcionado ao Fundo, e é garantido o pagamento de 100% da verba devida ao trabalhador com juros.
Nos três primeiros meses de 2023, a Procuradoria já arrecadou mais de R$ 6 bilhões, com transação e outras estratégias de cobrança, valor que supera o do mesmo período de 2022.
Levantamento dos advogados Flávia Bortoluzzo e Filipe Luis de Paula e Souza, do escritório LBZ Advocacia, mostra um desconto médio de 57% sobre multas, juros e encargos gerais em cerca de 200 transações individuais e prazo médio de parcelamento de 90 meses, mas com uma grande variação de acordo com o contribuinte.
“Nos programas de refinanciamento, eram estabelecidas condições gerais, com uma concessão padrão para todos os contribuintes, e isso gerava muitas distorções. Agora a gente tem uma solução montada conforme a necessidade do contribuinte, e com a Procuradoria à frente dessa solução as construções são muito mais técnicas”, afirma Flávia Bortoluzzo, sócia da LBZ Advocacia.
“O escritório defende muito isso: explicar para o cliente que é viável essa negociação, abrir informações financeiras que a Procuradoria já tem como acessar, mas que a gente vai levar com os nossos esclarecimentos de por que eu preciso de mais fôlego financeiro, por que acumulei aquele passivo.”
A transação é um instrumento utilizado em outros países, como EUA, Austrália e Reino Unido, de acordo com estudo do Núcleo de Pesquisa em Tributação do Insper, coordenado pelos advogados Daniel Zugman e Frederico Bastos, do escritório BVZ Advogados.
Zugman afirma que alguns estados e municípios brasileiros possuem leis regulamentando o tema, mas não colocaram a modalidade para funcionar na prática. Outros apenas repaginaram os Refis estaduais. Apenas o estado de São Paulo tem uma atuação mais robusta, segundo análise dos programas locais que deve ser publicada em breve pelo Insper.
“Alguns pegaram carona nessa terminologia de transação, mas na prática continuam implementando os parcelamentos nos moldes antigos, sem uma mensuração da capacidade de pagamento do contribuinte. Muitos estados e capitais publicaram leis regulamentando, mas ela nunca aconteceu”, afirma.
Frederico Bastos diz que o modelo brasileiro está tendo sucesso na redução da litigiosidade e aumento da eficiência da execução do crédito tributário, em um país com um contencioso tributário trilionário e com alto grau de litigiosidade entre contribuintes e poder público.
“Pode ser que em um momento futuro, quando a gente tiver uma redução do contencioso, e a relação entre fisco e contribuinte estiver menos litigiosa, que a gente reveja alguns critérios, mas hoje, está alinhado com o cenário e que o fisco e o contribuinte precisam sentar para conversar.”
RECUPERAÇÃO DA DÍVIDA ATIVA CRESCE 23,4% EM 2022
R$ 39,1 bilhões (Recuperação total)
R$ 14,1 bilhões (Transação tributária)
R$ 583,9 milhões (FGTS)
R$ 404,3 bilhões (Regularizado com transação até 2022)
R$ 2,7 trilhões (estoque da dívida ativa)
R$ 1 trilhão (crédito com maior potencial de recuperação)
COMO FUNCIONA A TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA?
A transação é uma negociação de débitos tributários, com possibilidade de descontos e parcelamentos de acordo com a capacidade de pagamento do contribuinte e as garantias envolvidas.
Existem diferentes modalidades:
Por proposta individual, apresentada pelo devedor;
Por adesão a propostas com condições específicas lançadas por órgãos como PGFN ou Receita Por adesão, no caso de contencioso tributário de pequeno valor.
Quem pode apresentar proposta de negociação?
Débitos em contencioso administrativo ou no prazo de reclamação administrativa, recursos e outras petições (Receita Federal) ou inscrito em dívida ativa (PGFN).
Quais são as condições?
Desconto de até 65% sobre o total, até o limite do valor original da dívida, conforme a capacidade de pagamento. Na prática, alguns contribuintes podem acabar tendo isenção total de juros e multas. Porcentual máximo sobe a 70% no caso de MEI (microempreendedor individual) e micro e pequenas empresas.
Prazo de até 120 meses para quitar o saldo restante, ou 145 meses no caso de MEI, micro e pequenas empresas.
Possibilidade de usar créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL para quitar até 70% do saldo remanescente, após descontos.
Possibilidade de uso de precatórios ou oferecimento de garantias.
FONTE: CORREIO DO ESTADO