Das duas, uma: ou houve trapaça, ou alguém não está falando a verdade num processo judicial instaurado depois que um grupo de 12 ou 20 pessoas acertou os seis números da Mega Sena, a loteria que mais sorteia fortunas da Caixa Econômica Federal.

O jogo em questão, inscrito na lotérica Zebrinha, no shopping da cidade de Dourados, que rendeu aos ganhadores R$ 27.709.894,56, gerou desconfianças justamente na melhor hora, a de repartir a dinheirama. Parte dos felizardos recorreu à Justiça por sentir-se enganada pelo responsável em anotar a cartela ganhadora. O organizador do jogo teria ficado como a maior do prêmio, conforme a narrativa de um dos sortudos, que consta no processo.

O jogo da discórdia foi sorteado no dia 13 de julho do ano passado. Trata-se do sorteio de número 2.500, feito em Dourados e que teve apenas um bilhete acertador, o de um “grupo de amigos que há anos” apostavam juntos.

O grupo sozinho acertou os números 5, 16, 25, 32, 39 e 55. Esta aposta foi a única do país naquele dias que levou R$ 27.485.274,00. Como os jogadores cravaram sete números no volante (R$ 31,50), além do prêmio maior, ganharam mais R$ 224.620,56, por seis quinas a que tiveram direito. Nos jogos da loteria recebe mais quem joga mais.

Seis dias depois do sorteio, um dos apostadores, o comerciante Márcio Augusto Forte, 54, registrou um boletim de ocorrência por “apropriação indébita” contra Mizael Ribeiro Quintas, 49, que seria o organizador do jogo.

De acordo com o site da Caixa Econômica, o jogo premiado feito na lotérica Zebrinha, foi fruto de uma aposta simples, com 7 números anotados. Ou seja, pelo demonstrado o grupo que há anos apostavam juntos confiavam em Mizael Ribeiro, que ficava com a aposta.

Diferentemente dos bolões vendidos em lotéricas em que cada jogador sai de lá com seu volante na mão.

Detalhe: Mizael, como consta no boletim de ocorrência que virou processo, o de número 0808750-73.2022.8.12.0002, trabalharia na lotérica como o “bilheteiro”, funcionário que anotava as apostas.

A história narrada pelo apostador ganhador Márcio Forte é curiosa desde o início, note:

“em que pese ter sido vencedor, o organizador/requerido [Mizael], sequer comunicou o requerente [Márcio] que seu grupo havia sido vencedor. Teve ciência pela internet, após sair nos sites que a aposta de Dourados era vencedora, oportunidade em que interpelou o requerido”, depôs Márcio Forte.

RESISTÊNCIA EM PAGAR

Mais desconfiança surge nas declarações do denunciador:

“A partir daí, vários foram os desencontros. Isso porque havia muita resistência do requerido em pagar a parte do requerente, tanto que somente fez o depósito no dia 19 de julho de 2022, aproximadamente às 15hs”. Ou seja, o ganhador teve o prêmio depositado seis dias depois do sorteio. Por regra, a Caixa paga os prêmio, no máximo, 48 horas depois de comunicada por quem acertou os números.

Aqui o detalhe que motivou a abertura do processo. Márcio Forte recebeu R$ 690 mil de prêmio e, se dividido em 12 apostadores, ele teria de receber um depósito de R$ 2,3 milhões.

“O valor transferido pelo requerido à conta informada pelo requerente, foi apenas de R$ 690.000,00, quando, na verdade, deveria ser R$ 2.325.000,00.”, é a queixa de Márcio Forte.

MAIS SUSPEITA

Noutro trecho do processo, a partilha do prêmio fica mais suspeita, pois Márcio Forte disse que ouviu de Mizael, o seguinte:

“O requerente [Márcio] trocou mensagens de WhatsApp com o requerido [Mizael]. Cobrando, em tom amistoso, o valor.  No entanto, em razão da diferença de valores, procurou pessoalmente o requerido, quando este desconversou, disse que tinha impostos, que transferiria apenas meia cota do valor do prêmio, que o grupo não era de 12 (doze), mas de 20 (vinte) apostadores, tudo com o objetivo de reduzir o valora transferir ao requerente”, queixa-se Forte.

Ainda que fosse 20 apostadores e não 12 como afirma Márcio Forte, o reparte do prêmio deveria ser maior que os R$ 690 mil recebido. Considerando o prêmio e com as quinas ganhas pelos felizardos, cada um teria de receber em torno de R$ 1,3 milhão. Isso caso 20 pessoas tivessem jogado juntos na Mega sorteada.

Outro detalhe que deixa dúvida, conforme o processo o qual o Correio do Estado teve acesso. A aposta ganhadora, de 7 números, custou R$ 31,50. Ou seja, se o bolão informal fosse apostado por 12 jogadores, cada cota custa R$ 2,60. E se 20 jogassem, cada apostador pagaria apenas R$ 1,50. Não é dito no processo se os ganhadores fizeram mais apostas.

Por estas dúvidas, Márcio Forte, por meio de advogados pediu à Justiça que a conta bancária de Mizael fosse bloqueada.

“… quando o requerido tomar ciência da existência do boletim deocorrência, poderá ocultar os valores, com saques em espécie ou para terceiros, no intuito de frustrar a recuperação do dinheiro. Assim, desta forma, não resta qualquer dúvida de que existem indícios suficientes da autoria do delito por parte do requerido, bem como da necessidadede deferimento da medida, sob pena de perecimento da pretensão do requerenteem receber os valores que lhes são devidos”.

PEDIDO NEGADO

No entanto, a apelação foi negada na Justiça de primeira instância, e também no Tribunal de Justiça, com a chancela no Ministério Público. Nova audiência acerca do episódio está agendada para o mês de maio. Ou seja, a corte quer saber mais detalhes sobre o jogo premiado e de que maneira foi feita a aposta.

O Correio do Estado tentou nesta terça-feira (11) conversar com Mizael, que não mais trabalha na lotérica. E também com Márcio Forte, mas ainda não havia conseguido até a publicação deste material. Assim que houver os contatos e se eles quiserem se manifestar esta matéria será reeditada.

O SILÊNCIO

No dia seguinte ao 13 de julho do ano passado, data que os 12 ou 20 douradenses acertaram a bolada da Mega, a imprensa local foi até a lotérica Zebrinha, no shopping de Dourados, e lá entrevistou os funcionários e o gerente da empresa. Todos disseram que estavam felizes pelo prêmio e que não tinham ideia de quem seria o sortudo. Pelo dito no processo tocado por Márcio Forte, um dos ganhadores que se diz trapaceado, comerciante na cidade, o ganhador seria à época um funcionário da lotérica.

Além de Márcio Forte, outros apostadores também denunciaram a suposta trapaça.

Fonte: Correio do Estado