O dia era 8 de abril de 2008, pouco mais de 15 anos atrás, e uma anomalia chegava às rádios pop do mundo todo: “Just Dance”, de uma loirinha nova-iorquina de 22 anos que respondia pelo pseudônimo Lady Gaga, marcou o pontapé inicial de uma das carreiras mais extraordinárias do entretenimento ocidental contemporâneo.

Mas como é que, em uma década e meia, Gaga foi de “Just Dance” a Coringa: Folie à Deux, que esteve movimentando os noticiários pop ao redor do mundo nas últimas semanas, enquanto mais e mais fotos das filmagens vazam pela internet?

Abril de 2008 – “Just Dance”

RedOne! KonVict! Gaga!”. Os primeiros segundos de “Just Dance”, em que Gaga recita o nome do seu produtor e de seu selo (lembra que ela foi bancada pelo Akon no começo da carreira?) antes de anunciar sua chegada como artista, já se tornaram parte icônica do imaginário coletivo pop.

Melhor ainda é o clipe dirigido por Melina Matsoukas (que mais tarde faria o excelente filme Queen & Slim), encarnando mais perfeitamente do que nenhum outro o caos de uma house party daquelas – e a ressaca devastadora que vem depois. Com seus sintetizadores apoteóticos que evocavam a dance music europeia diante de um cenário norte-americano dominado pelo R&B, Gaga introduziu uma nova sensibilidade ao mainstream pop que ecoaria por anos a fio.

Agosto/Setembro de 2008 – The Fame e “Poker Face”

Embora “Just Dance” tenha chegado ao topo da Billboard Hot 100 poucos meses depois de seu lançamento, foi “Poker Face” que provou que Lady Gaga era um nome impossível de se ignorar. Com ganchos melódicos viciantes (“pa-pa poker face/ ma-ma-ma-ma”), sintetizadores graves e uma letra ousada, sacramentada na bissexualidade da cantora (esta é, afinal, a história de uma mulher que pensa em outra mulher enquanto transa com seu namorado), a canção é um marco pop – prova disso são o 1.1 bilhão de visualizações no YouTube.

“Poker Face” chegou para consagrar o The Fame, primeiro álbum de estúdio de Gaga, que foi lançado um mês antes do single. Embora a artista tenha se transformado dezenas de vezes desde então, como a camaleoa que é, o disco ainda tem tudo o que a define: de lindas baladas ao piano (“Brown Eyes”) a suavidades pop redondinhas (“Eh, Eh”), passando por hinos de decadência boêmia (“Beautiful, Dirty, Rich”) e, é claro, muita teatralidade dance (“LoveGame”). É justamente aí que entra em cena…

Maio de 2009 – “Paparazzi”

Se hoje associamos o nome Lady Gaga a ideias e visuais “fora da caixinha”, bom… saiba que tudo começou com “Paparazzi”. O clipe de sete minutos de duração, dirigido por Jonas Akerlund (do filme de ação Polar, da Netflix) e coestrelado por Gaga e Alexander Skarsgard (Big Little Lies), conta a história de uma popstar que é quase assassinada pelo namorado, e que se vinga dele com requintes de crueldade.

A produção inaugurou a era dos vídeos épicos da cantora, misturando senso fashion bizarro, referências de cinema de gênero certeiras e reflexões profundas sobre fama e arte. Vale apontar: a ideia do videoclipe-evento estava quase perdida no pop americano nessa época, e até artistas hoje vistas como conceitualmente ousadas, de Beyoncé a Rihanna, estavam mergulhadas na estética decadente dos anos 2000. Gaga mudou tudo.

Setembro de 2009 – “Paparazzi” no VMA

Se é possível circular um momento em que Lady Gaga virou LADY GAGA, eu diria que se trata dessa performance de “Paparazzi” no MTV Video Music Awards 2009 (pois é, lembra quando o VMA era um evento imperdível do calendário da cultura pop?). Mesmo 14 anos depois, ainda é arrepiante ver o sangue falso se espalhando pela barriga de Gaga no final da apresentação, após um solo espetacular no piano e todo o teatro mórbido que ela constrói com seus dançarinos pelo palco.

Este foi também o ano em que Gaga ganhou seus três primeiros troféus do VMA, incluindo um de artista revelação. Desde então, a artista acumula 18 (sim, dezoito!) estatuetas do prêmio da MTV, incluindo premiações de vídeo do ano (por “Bad Romance”, em 2010), artista do ano (em 2020), canção do ano (também em 2020, por “Rain on Me”) e o honorário Tricon Award, contemplado para artistas que se destacam em várias áreas do entretenimento.

Outubro de 2009 – “Bad Romance”

Aqui vai a minha aposta: o tempo há de provar que “Bad Romance” é a maior pegada cultural deixada por Lady Gaga, não só sua canção-assinatura como também o seu maior legado pop. Com 1.6 bilhão de visualizações no YouTube, o clipe assinado por Francis Lawrence (de Constantine e Jogos Vorazes) é icônico o bastante, com alguns dos momentos fashion mais espetaculares de Gaga e a encarnação mais perfeita da sua sensibilidade filtrada por filmes de horror e clássicos camp.

É a música, no entanto, que faz toda a diferença. Retirando as camadas de autotune que alongavam o seu tom no The Fame, o timbre grave e cáustico que viraria sinônimo de Gaga surge pela primeira vez aqui, enquanto a produção eleva os sintetizadores eurodance a um nível de apoteose inédito e a composição demonstra ideias melódicas geniais para acompanhar a dexteridade imagética de uma letra que conjura sentimentos palpáveis (“Eu quero seu drama, o toque de sua mão/ Quero seu beijo envolvido em couro na areia”). Obra-prima pop.

Novembro de 2009 – The Fame Monster

Com oito canções escritas durante a turnê do seu primeiro álbum, Gaga compôs o álbum (ou EP, chame como quiser) que expandiria suas capacidades artísticas definitivamente. Já falamos de “Bad Romance” aí em cima, mas é bacana ver como nasceu aqui, dessa expansão mais sombria e mais ousada do The Fame, tantas facetas da estrela: a Lady Gaga ícone do rock (vide “Teeth”) deu as caras aqui, assim como a Lady Gaga provocadora socio-religiosa (“Alejandro”, do qual falaremos mais adiante) e a Lady Gaga historiadora da cultura pop (“Dance in the Dark”, com sua citação de ícones queer que partiram cedo). Tantos anos depois, ainda vale a audição completa.

Janeiro de 2010 – “Telephone”

Mais uma vez nas mãos de Jonas Akerlund, Gaga criou outro clássico contemporâneo dos videoclipes com “Telephone”, que escancarou referências cinematográficas (Quentin Tarantino é a mais óbvia, mas há algo de Russ Meyer e John Waters aqui, é claro) e ainda criou uma das parcerias antológicas do pop no século XXI ao juntar a cantora com Beyoncé. As duas já tinham colaborado em “Video Phone”, mas foi aqui que a influência de uma em outra se consolidou – e, embora tenham seguido caminhos bem distintos desde então, é fácil traçar um paralelo entre suas visões de autonomia criativa e suas crenças ferrenhas no alcance amplo do pop como forma de arte.

Abril de 2010 – “Alejandro”

Troque Jonas Akerlund pelo aclamado fotógrafo de ícones pop Steven Klein e você tem “Alejandro”, o primeiro clipe de Gaga que eu assisti na pré-estreia, esperando horas no YouTube pelo momento fatídico. A troca de direção também implicou uma troca de referências: sai Tarantino, entra Rainer Werner Fassbinder; sai o camp americano, entra o expressionismo alemão.

Tudo isso se choca contra as influências latinas da canção, e com a provocação religiosa que permearia a obra de Gaga – nascida e criada em família católica, mas proponente decidida de uma liturgia espiritual muito mais inclusiva – a partir daí. Esse tipo de provocação, diga-se de passagem, resgata a função contestadora de tradições da música pop, que não se originou com Madonna, mas certamente teve seu pico com “Like a Prayer”.

Fevereiro de 2011 – “Born This Way” e o Grammy

Por falar em Madge, as semelhanças entre “Born This Way” e “Express Yourself” causaram frisson lá em 2011 – mas as duas não guardam rancores uma da outra, e fazer referência a Madonna na música pop é como fazer referência ao papa na missa católica: inevitável, eu diria quase obrigatório.

Esclarecido isso, vale lembrar que “Born This Way” estreou de forma bombástica com uma performance no Grammy 2011, onde Gaga chegou dentro de um ovo “alienígena”, carregado por dançarinos vestidos de látex, e só saiu para cantar. Daí é um pulo para o videoclipe surrealista e para a consagração como um dos maiores hinos LGBTQIA+ da história, formando a autoestima de uma geração ao som de melodias R&B (vale rever a performance acapella da faixa!) turbinadas por batidas de techno industrial.

Abril de 2011 – “Judas”

Se “Alejandro” escandalizou ao mostrar Gaga como freira engolindo um crucifixo, além de abusar de imagens homoeróticas misturadas ao simbolismo cristão, “Judas” foi a pièce de resistance do lado provocador da artista. Tudo foi pensado para chocar: o título, é claro, faz referência ao apóstolo que traiu Jesus Cristo; o timing do lançamento – tanto da música quanto do clipe – coincidiu com a Páscoa de 2011; a capa do single reproduzia a cruz católica em vermelho, com um coração desenhado no meio; e o clipe (o primeiro dirigido pela própria Gaga) escalava a cantora como Maria Madalena, lidando com Judas (Norman Reedus) e os outros discípulos em meio a uma direção de arte barroca.

Maio de 2011 – Born This Way

Talvez o último dos álbuns culturalmente definidores de Gaga – e isso não é demérito dela, apenas o ciclo natural do pop -, o Born This Way mostrou exatamente até onde ela estava disposta e hábil a empurrar suas tendências mais ousadas. É um disco poliglota (espanhol em “Americano”, alemão em “Scheisse”, italiano em “Bloody Mary”), sim, mas acima de tudo polímata em suas influências – “Hair” é soft rock ao piano, radiofônico até a medula; “Electric Chapel” empresta guitarras do rock de arena; “The Edge of Glory” explode em cafonice gloriosa com seu solo de saxofone executado à perfeição por Clarence Clemons, da lendária E Street Band de Bruce Springsteen.

Tudo isso e mais um pouco (bandas de mariachi, batidas insistentes de deep house, harmonias coladas – admitidamente – do catálogo do Duran Duran) é filtrado pelo olhar de uma artista pop em seu estado mais absolutamente livre. Em suma: se você ouvir esse álbum inteiro e não entender “qual é o frisson em torno da Lady Gaga”, bom… melhor desistir, porque ela não é para você.

Agosto de 2011 – “Yoü And I” e Jo Calderone no VMA

Se o Born This Way fechou a era de ouro de Gaga como força moldadora da música pop norte-americana, a sua aparição no VMA 2011 decretou o encerramento definitivo da era de ouro da premiação da MTV… se bem que, para sermos justos, é preciso dizer não foi exatamente Lady Gaga que compareceu ao evento, e sim o seu alter-ego masculino, Jo Calderone.

O personagem, modelado no arquétipo rebelde de James Dean, estreou no videoclipe épico da canção, talvez a mais memorável balada rock da carreira de Gaga, e foi também o responsável por cantá-la no VMA, ao lado guitarrista Brian May, do Queen. Esbanjando charme (ainda melhor quando apresentou um prêmio ao lado de Britney Spears) e levando uma genuína performance de drag para um dos maiores palcos da cultura pop, Gaga – ou melhor, Jo – subverteu expectativas mais uma vez.

Novembro de 2012 – Gaga no Brasil

Pois é: cinco anos antes do cancelamento de show que gerou milhões de memes (eu falo “Brazil, I’m devastated” para qualquer coisa até hoje!), Lady Gaga de fato pisou no nosso país para três shows de sua Born This Way Ball. E falo em primeira mão, pois estive no show do Morumbi (SP) em 11 de novembro de 2012: que experiência absurda foi estar nesse espetáculo, provavelmente o mais grandioso que Gaga já montou ou vai montar para os palcos internacionais.

Da decoração pomposa imitando um castelo saíam inúmeros looks e acessórios, incluindo um unicórnio mecânico para “Highway Unicorn” e uma moto turbinada para “Heavy Metal Lover”. Das sessões mais calminhas no piano surgiam pérolas como a primeira performance ao vivo de “The Queen”. Honestamente? Até a chuva no show de abertura do The Darkness (e o som da sempre contagiante “I Believe in a Thing Called Love”) caiu bem para quem estava cansado de passar horas na fila.

Outubro de 2013 – ARTPOP e Machete Mata

Se o Born This Way mostrou que o público seguiria Lady Gaga para muitos lugares inesperados, o ARTPOP mostrou que muitos não significa todos. Embora chamar o disco de fracasso comercial seja exagerado (a maioria das popstars atuais dariam um braço para conseguir vender 2.3 milhões de unidades ao redor do mundo), o fato é que o ARTPOP não foi abraçado como obra cultural dominante da mesma forma que os álbuns anteriores dela. Avaliação precoce e injusta, como muitos críticos e fãs apontam hoje em dia, dez anos depois, incluindo o ARTPOP na honrosa lista de obras pop “a frente do seu tempo”.

De qualquer forma, a fase turbulenta (incluindo um feat. infame com R. Kelly, que acabou sendo substituído por Christina Aguilera após o ressurgimento de denúncias de abuso contra o cantor) foi a deixa para Gaga se reinventar mais uma vez. Se o sonho de menina da nova-iorquina era a atuação, nada melhor para começar essa trajetória do que a trasheira de Machete Mata, dirigido por Robert Rodriguez, onde Gaga interpretou uma assassina de aluguel camaleônica – e o filme ainda ajudou a divulgar uma das melhores faixas do ARTPOP, “Aura”, então todo mundo saiu ganhando!

Setembro de 2014 – Cheek to Cheek

O mais admirável sobre a reinvenção de Gaga após 2013 é que ela a operou através de obsessões tão disparatadas quanto era de se esperar da mulher que virou o pop americano de cabeça para baixo com sua excentricidade. Daí vem a parceria com Tony Bennett, nascida de uma gravação de “The Lady is a Tramp”, em 2011, para um álbum do venerável cantor de standards americano.

Três anos depois, a amizade perdurou e o disco Cheek to Cheek se materializou com uma série de colaborações entre os dois, que serviu para inserir Gaga em uma dimensão de prestígio acadêmico à qual ela ainda não tinha acesso. E o combo deu tão certo que gerou vitórias no Grammy, todo um show em Las Vegas dedicado ao jazz e até mesmo um segundo disco, Love for Sale, lançado em 2021.

De fato, a colaboração de Gaga e Bennett foi tão significativa que o cantor e sua família escolheram a popstar para realizar com ele a sua última gravação de estúdio e o seu último show, em novembro de 2021, após o diagnóstico de Alzheimer.

Outubro de 2015 – American Horror Story: Hotel

Se hoje American Horror Story se tornou uma daquelas séries que suscita reações de “nossa, isso ainda está no ar?”, em 2015 a antologia de Ryan Murphy ainda era uma potência televisiva considerável – e a escalação de Gaga como a vampira conhecida apenas como Condessa, uma figura cujos comportamentos libidinosos e traiçoeiros escondiam um passado trágico envolvendo o astro do cinema mudo Rodolfo Valentino, indicou que ela estava tentando levar a carreira de atriz à sério, muito embora Hollywood ainda não estivesse totalmente convencida.

A vitória de Gaga no Globo de Ouro do ano seguinte pode ter empalidecido nos anos que se passaram desde então, especialmente por conta da crise de credibilidade da premiação, mas foi uma sinalização importante dentro da lógica de carreira dela na época. Ademais, a atuação em si envelheceu bem, apostando na iconografia de uma American Horror Story que ainda sabia mergulhar em chavões de gênero e maluquices conceituais sem desbancar totalmente para a futilidade.

Fevereiro de 2016 – “Til It Happens to You” no Oscar

A construção da respeitabilidade de Gaga como artista-ativista atingiu seu ápice com “Til It Happens to You”, uma balada poderosa sobre abuso sexual – tema que a cantora sempre abordou em entrevistas e composições, diga-se de passagem – que uniu Gaga à compositora queridinha da Academia Diane Warren para dar trilha e visibilidade ao excelente documentário The Hunting Ground. A indicação ao Oscar e a performance no palco do Dolby Theatre emocionaram tanto que muita gente contestou a eventual vitória de Sam Smith e sua “Writing’s on the Wall” como melhor canção original.

Outubro de 2016 – Joanne

Depois de se tornar artista indicada ao Oscar, vocalista de jazz e atriz, Lady Gaga decidiu que estava na hora de apresentar um novo álbum ao público. Joanne chegou mostrando mais uma vez que a cantora estava na vanguarda de algumas tendências – depois dela, nomes de Miley Cyrus a Kylie Minogue lançaram álbuns pop inspirados no country -, enquanto apresentou uma Gaga amadurecida, confortável tanto para esticar-se na direção das influências diversas que compunham sua música quanto para abrir sua intimidade em um (outra vez, presciente) documentário intensamente pessoal para a Netflix.

Ah, e se você me perguntar: “Perfect Illusion” é o segundo melhor single da carreira de Gaga, perdendo apenas para a insuperável “Bad Romance”; “John Wayne” tem um dos melhores clipes da carreira dela, mesmo que tão pouco visto; e “Dancin’ in Circles” segue sendo um clássico da música pop sobre masturbação (na companhia honrosa de canções, digamos, autocelebratórias, como “She Bop”, “Love Myself”, “I Touch Myself” e “Party for One”). A essa altura, Gaga parece ter percebido, números importam pouco: o essencial para ela é mostrar ao seu público que pode fazer (e brilhantemente) o que bem entender.

Fevereiro de 2017 – Super Bowl LI

Bom, se houve um segundo momento em que Lady Gaga se tornou LADY GAGA, foi no Super Bowl de 2017. Do salto do teto do estádio, ladeada por drones, passando pelo desfile de hits que se seguiu, enfileirados com a energia maníaca que todos já haviam aprendido a associar a Gaga, e performados com vivacidade exemplar nos vocais e nos movimentos, ela entregou um dos shows de intervalo mais inesquecíveis da história. O evento, diga-se de passagem, já está acostumado a coroar carreiras, laurear grandes artistas americanos (ou não) por suas trajetórias e praticamente blindá-los de futuros fracassos… a não ser que tudo dê muito errado, claro. No Super Bowl de Gaga, nem uma palha estava fora do lugar.

Outubro de 2018 – Nasce Uma Estrela e “Shallow”

Prova da eficiência desse Super Bowl foi que, quando Lady Gaga surgiu na garupa da moto de Bradley Cooper em fotos vazadas do primeiro date profissional dos dois (ou seja, a primeira negociação para o que viria a ser sua parceria criativa em Nasce Uma Estrela), quase ninguém ficou realmente surpreso. Não só o talento multi-hifenado de Gaga deixou de ser uma interrogação para se tornar uma certeza, como os seus passeios entre os ambientes do prestígio acadêmico e da franqueza pop passaram a ser encarados com naturalidade – e essa talvez seja a maior vitória de uma carreira cheia delas.

Nasce Uma Estrela foi um fenômeno, simultaneamente ratificando a legitimidade de Gaga como atriz “séria” (indicação ao Oscar e ao BAFTA! vitória no Critics Choice!) e como trunfo de bilheteria (US$ 430 milhões!) para filmes que raramente se dão bem no aspecto comercial hoje em dia. Adicione aí o megahit “Shallow”, cuja performance no Oscar foi sensação das redes – pelo terceiro ano consecutivo, diga-se de passagem – e que acabou finalmente dando o careca dourado a Gaga, e pronto: nasce mais um marco de carreira.

Maio de 2020 – Chromatica e “Rain on Me”

Parte do amadurecimento de Gaga como figura cultural e artista tem a ver com desaceleração – ela pode aparecer com menos frequência agora, porque sua importância e respeito já estão consolidados no espaço do entretenimento. Claro, esses “sumiços” são só relativos: entre Nasce Uma Estrela e Chromatica, Gaga foi curadora do MET Gala focado na influência do camp na moda americana (e serviu o melhor look da noite, claro) e também assumiu papel de liderança no One World: Together at Home, projeto beneficente que reuniu artistas do mundo todo nos primeiros meses da pandemia.

Também no começo da crise da covid-19 veio o Chromatica, que rendeu um alívio generoso à rotina enclausurada e pessimista daqueles dias com seu som expansivamente eletrônico, espertamente alinhado com as tendências do dia no pop ocidental, sem perder a originalidade. “Rain on Me”, com Ariana Grande, provou que Gaga ainda tinha alguns megahits na manga; “911” mostrou que ela ainda sabia compor favoritas cult para o público mais atento; e “Sour Candy” trouxe o BLACKPINK, e portanto o k-pop, para o círculo de influência da americana.

Novembro de 2021 – Casa Gucci

Talvez o tempo coloque Casa Gucci no mesmo balaio que Machete Mata, ao invés de agrupá-lo com Nasce Uma Estrela, mas quem se importa? O épico de Ridley Scott sobre uma família aristocrata tão insular e impenetrável quanto qualquer outra família aristocrata, e os atos extremos de uma mulher desesperada por acesso a ela – e aos privilégios que vinham com ela – é divertido à beça, especialmente se comparado a outros filmes de 2h30 que enchem os cinemas em toda temporada de premiação. Recomendado!

Maio de 2022 – “Hold My Hand”

Lady Gaga e Hans Zimmer é uma dupla e tanto, inconcebível em outros tempos de cultura pop, e a trilha sonora de Top Gun: Maverick sem dúvida se tornou mais memorável por causa disso. “Hold My Hand” pode não ter sido um hit tão inescapável quanto “Shallow”, mas o sucesso astronômico do filme não machucou a carreira de ninguém, e a canção de qualquer forma consolidou Gaga como um daqueles nomes certeiros da composição hollywoodiana – tanto se você quiser views no YouTube quanto se você quiser uma indicação ao Oscar.

Novembro de 2024 – Coringa: Folie à Deux

Ao contrário do que aconteceu com Nasce Uma Estrela, com Casa Gucci ou mesmo com seu envolvimento musical em Top Gun: Maverick, o nome de Lady Gaga atrelado a Coringa: Folie à Deux causou estranhamento em muita gente – mas será que deveria? Sim, nós sabemos que é meio fora da curva pensar que a continuação do filme de 2019 (que trouxe uma origem “sombria e realista” para o vilão do Batman, e acabou se tornando um dos queridinhos do Oscar) será um musical coestrelado pela mulher que fez “Bad Romance” e “Poker Face”.

Ao mesmo tempo, esse não é exatamente o tipo de projeto que faz sentido para Lady Gaga, a atriz, tanto em termos comerciais (o primeiro Coringa arrecadou mais de US$ 1 bilhão, vale lembrar) quanto em termos críticos e acadêmicos? Muita gente tem se acostumado com a ideia de uma Arlequina vivida por Gaga com o “vazamento” de várias fotos do set, mas a prova final vem mesmo ano que vem. Se ela nos ensinou uma coisa nessa década e meia, no entanto, foi essa: quando se trata de Lady Gaga, é melhor esperar para ver.

Fonte: Omelete