Depois de quatro anos consecutivos sem o cumprimento do teto de gastos, a regra fiscal vigente no momento, os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, apresentaram ontem a nova norma federal de controle de gastos.

O objetivo da nova proposta é oferecer segurança ao mercado e aos investidores de que os gastos do Brasil não sairão de controle. Ao mesmo tempo, o novo arcabouço fiscal pretende garantir que país não ficará engessado quando houver excesso de arrecadação, ainda que não exista crescimento econômico.

A proposta ainda está sendo digerida por economistas, empresários e parlamentares, mas, a princípio, foi bem recebida pelo mercado financeiro. A Bolsa de Valores (B3) engatou sua quinta alta seguida e encerrou as negociações desta quinta-feira aos 103.713,45 pontos, uma valorização de 1,89%. Dos 88 papéis que compõem o índice Ibovespa, 78 terminaram em alta.

Por aqui, os especialistas ainda esperam o detalhamento de mais medidas, mas as perspectivas podem ser boas ou nem tanto, caso as projeções de crescimento não se concretizem.

O economista Eugênio Pavão entende que há boas possibilidades para Mato Grosso do Sul, em razão de fatores importantes: a economia pulsante (o Estado mantém crescimento regular, mesmo nos anos recessivos para o restante do País); e sua representatividade, já que a ministra Simone Tebet, corresponsável pela âncora fiscal com Fernando Haddad, é de Mato Grosso do Sul.

É ela, por exemplo, que tem o poder de assinar o Orçamento para o próximo ano.

“O limite de 70% anual das despesas para o crescimento da receita significa mais recursos para o governo federal”, explicou Pavão. E mais recursos, ainda segundo o economista, podem indicar mais investimentos: “Com mais recursos disponíveis para os projetos, o governo federal tende a retomar obras, serviços e programas públicos em todo o País”.

Pavão ainda lembra que a âncora fiscal vigente, aprovada no governo Temer, era baseada na inflação do ano anterior e só autorizava a correção dos gastos pela inflação ou caso houvesse crescimento econômico.

Mesmo no caso de crescimento na receita, se nenhum desses fatores fosse satisfeito, o governo federal ficaria limitado para usar os recursos, caso que ocorre, por exemplo, neste ano.

“A âncora fiscal passada engessou as despesas públicas”, afirmou.

O doutor em Economia Michel Constantino disse que com a primeira versão, apresentada ontem, ainda estavam muito claros os impactos nos estados, mas ele pondera sobre um risco da âncora fiscal que não é lembrado por muitos: e quando a economia não cresce?

“Se olharmos a ideia, que o arcabouço vai funcionar com aumentos de arrecadação, vamos ter aumento de impostos caso a economia não cresça o quanto estão prevendo, e isso pode afetar pessoas e empresas”, explicou.

Constantino ainda afirma que sentiu falta de gatilhos para a redução da máquina pública.

Detalhamento

A nova regra fiscal, proposta ontem por Haddad e Simone Tebet, prevê um crescimento real das despesas entre 0,6% e 2,5% ao ano. Esses são o piso e o limite máximo de avanço dos gastos.

O desenho também prevê um patamar mínimo para investimentos, atendendo a uma preocupação política do PT de que esses gastos não sejam comprimidos ao longo do tempo.

Haddad adiantou que a fórmula proposta pelo governo não é uma “bala de prata” para resolver a situação das contas públicas.

“Isso aqui não é uma bala de prata que resolve tudo. É o começo de uma longa jornada. Mas esse é o plano de voo”, disse.

O governo propõe uma regra fiscal em que o crescimento das despesas federais seja limitado a 70% do avanço das receitas observado nos últimos 12 meses.

Na prática, o Executivo federal pretende trabalhar com uma nova trava para as despesas, que teriam crescimento real (acima da inflação), mas em ritmo menor do que a arrecadação. Essa combinação é considerada crucial para melhorar a situação das contas públicas nos próximos anos e estabilizar a trajetória da dívida pública.

Além disso, a regra vai prever um intervalo para a meta de resultado primário a cada ano, como uma espécie de banda para flutuação. O resultado primário é obtido a partir das receitas menos as despesas. Hoje, há uma meta única definida anualmente.

Caso o resultado das contas venha melhor do que a banda superior da meta anual, o excedente poderá ser usado para financiar os investimentos. Por outro lado, se o governo não conseguir atingir sequer o piso da meta de primário, o crescimento das despesas ficará limitado a 50% da alta das receitas no ano seguinte.

O objetivo da proposta é substituir o teto de gastos, regra fiscal em vigor que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior, desenho visto como muito rígido pela atual gestão.

Metas

A previsão do governo é de que o deficit, projetado em 1% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, seja zerado já em 2024. Em 2025, a estimativa indica superavit (arrecadação maior do que os gastos) equivalente a 0,5% do PIB. No ano seguinte, em 2026, o saldo positivo seria de 1% do PIB.

O porcentual de vinculação entre despesas e receitas será fixo, embora a cada ano sua aplicação sobre as novas estimativas leve a números diferentes de espaço no Orçamento.

A ideia é que, ao aprovar o Orçamento para o ano seguinte, o governo obtenha, a partir dos dados de arrecadação nos últimos 12 meses, o limite de avanço da despesa.

No cenário em que a estimativa de alta da arrecadação seja 2% em termos reais, por exemplo, a elevação na despesa poderia ser de até 1,4%.

Além disso, o porcentual não será aplicado de forma linear a todas as despesas. Com o fim do teto de gastos, serão retomados os mínimos constitucionais de saúde e educação, como eram até 2016: 15% da receita corrente líquida (RCL) para a saúde e 18% da receita líquida de impostos no caso da educação.

Na prática, o avanço dessas despesas acompanhará mais de perto a arrecadação, enquanto outros gastos precisarão ter crescimento mais moderado para respeitar o limite como um todo.

O limite será abrangente, mas algumas despesas ficarão de fora, entre elas, os repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e a ajuda financeira para estados e municípios bancarem o piso da enfermagem. São gastos aprovados por emenda constitucional.

Pela forma como foi desenhada, a proposta tem caráter pró-cíclico, ou seja, permite aumento de gastos quando há ampliação da receita e do crescimento, ao mesmo tempo em que impõe moderação em fases de baixa. Evitar isso era um dos princípios defendidos por economistas do próprio PT.

Por isso, o governo incluiu as travas para impedir que a despesa acompanhe o ritmo das receitas quando estas tiverem alta expressiva, ou ainda que seja preciso cortar gastos porque a arrecadação caiu de forma significativa.

A ideia é que o crescimento da despesa siga a receita, mas até o porcentual limite de 2,5%. De forma análoga, se as receitas despencarem, a alta de gastos respeitará o piso de 0,6%.

“[O governo] Faz o colchão na fase boa para poder usá-lo na fase ruim. Isso dá segurança não só para o empresário que quer investir, mas para as famílias que precisam do apoio do Estado no que diz respeito aos serviços essenciais”, disse Haddad em entrevista.

Mais impostos?

Em uma espécie de “vacina contra críticas”, o ministro afirmou que o governo atuará para recompor a base tributária que garante a arrecadação do governo, mas negou que isso vá representar um aumento da carga sobre os contribuintes.

Ele defende a maior cobrança sobre aqueles que hoje quase não pagam imposto.

“Essa regra não será impedimento para que se cumpra aquilo convencionado pela sociedade. Apenas o que foi convencionado tem de ter a contrapartida dos setores mais abastados”, disse o ministro.

Segundo Haddad, é preciso reverter a “tendência patrimonialista de apropriação do estado”.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO