Lá se vão 24 anos desde que Liam Gallagher pisou no palco do hoje Qualistage (na época Metropolitan) com o Oasis, banda inglesa que liderava junto com o irmão Noel. Aquela era a turnê do álbum “Be Here Now”, o terceiro dos garotos de Manchester, que os trazia pela primeira vez ao Brasil, em pleno auge da fama.
O Oasis chegaria ao fim em 2009, logo após a quarta passagem por aqui, e uma reunião está completamente descartada (pelo menos até o momento). Com isso, resta aos fãs da banda, que era comparada aos Beatles nos anos 90 (sobretudo no Reino Unido onde foi um verdadeiro fenômeno), acompanhar as carreiras solo dos irmãos. Pelo menos agora eles brigam menos.
O show que Liam trouxe ao Rio de Janeiro (e a São Paulo um dia antes) na noite da última quarta-feira (16), na mesma casa na Barra da Tijuca em que ele se apresentou com o irmão em 1998 e 2009. O cabelo moptop, a japona camuflada, pandeiro e chocalho em punho, posicionamento ao microfone inclinadamente para trás, ligeiramente torto, com as pernas arqueadas mostram que nada mudou nesses 13 anos. E a intenção era mesmo, apesar de estar divulgando seu álbum solo “C’Mon You Know”, lançado em 2021, trazer a atmosfera do Oasis e dos anos 90 de volta.
Hits, novidades e euforia
O início da apresentação estava programada para as 21h30, mas oito minutos antes o sistema de som já executava a música da também banda de Manchester Stone Roses, ‘I Am the Ressurrection’ , que costuma abrir os shows de Liam, seguida do hino da vitória do Manchester City (time de coração do vocalista). Pontualmente no horário marcado, o imenso telão começa a exibir imagens de arquivo de toda a carreira de Liam ao som de ‘Fucking In The Bushes’ do Oasis (que abrira de forma semelhante o último show da banda no Brasil). Logo em seguida o ídolo adentra o palco para uma plateia ensandecida, afinal são 13 anos de saudade. E para incendiar de vez, Liam abriu os trabalhos com um petardo de sua ex-banda, ‘Morning Glory’, sucedido por outro hino, não só do Oasis, mas do rock dos anos 90, ‘Rock N’ Roll Star’, do álbum de estreia “Definitely Maybe”.
Ok, o grosso do público estava ali para ouvir Oasis, e Liam foi bastante generoso no setlist em que 11 das 17 músicas eram de sua parceria com o irmão. Porém há canções da carreira solo para apresentar, até para justificar a tour. Daí entrou ‘Wall of Glass’, do seu primeiro álbum solo (após a fase Beady Eye), “As You Were”, de 2017. A música, que pode ser considerada um hit, foi a mais bem recebida da fase contemporânea pelo público. A faixa seguinte, ‘Everything is Eletric’, foi a primeira do novo disco no repertório.
Mais anos 90 na sequência com o hit ‘Stand By Me’, do já referido álbum de 1997, cantada a plenos pulmões pela plateia. Formou trinca com outras duas dos irmãos Gallagher não tão conhecidas do grande público: ‘Roll It Over’ e ‘Slide Away’. Saídas respectivamente de “Standing on the Shoulder of Giants” – disco que estava sendo divulgado naquele Rock In Rio 2001 em que o Oasis teve que engolir o orgulho e abrir para o Guns N’ Roses – e do debut, foram o aceno para os fãs mais engajados.
O segmento que focou na carreira solo não esfriou completamente a plateia. Foi a prova de que muitos ali realmente tinham algum interesse nas novas compsições de Liam. De “C’Mon You Know” vieram a faixa-título (ausente no show de São Paulo), ‘More Power’, que conta com um coro executado pela dupla de backing vocals, e ‘Diamond in the Dark’. ‘The River’ e ‘Once’ representaram “Why Me? Why Not”, de 2019, sendo a segunda acompanhada com bastante entusiasmo por muitos fãs.
Força das canções e homenagem ao craque Zico
A partir daí seguiu-se o esquema tático de jogar para a torcida – utilizando a metáfora futebolística cabível já que o bumbo da bateria estampava as iniciais do City, assim como várias camisas e bandeiras do time inglês eram vistas na plateia, inclusive alguns desavisados trajando uniforme do conterrâneo rival, o United. A saraivada de clássicos enfileirou ‘Some Might Say’ (a que mais empolgou o público na noite), ‘Supersonic’ e o grande hit, responsável por popularizar a banda por aqui no início de 1996, ‘Wonderwall’. O carro-chefe do disco “(What’s the Story) Morning Glory” (1995) foi dedicado ao maior craque do Flamengo, Zico, que Liam disse considerar o melhor jogador brasileiro da História, repetindo o que dissera mais cedo nas suas redes sociais, para regozijo dos flamenguistas.
No bis, ‘Live Forever’ foi dedicada a uma menina na plateia “dançando como louca” segundo o vocalista e uma energética execução de ‘Champagne Supernova’ fechou a apresentação. Nem a falha no lado direito do sistema de som (impecável na maior parte do tempo) durante a música ofuscou seu brilho.
A banda que acompanha Liam, obviamente, está ali para soar como o Oasis, mas possui uma certa liberdade para imprimir uma certa personalidade nas versões. São três guitarristas: Mike Moore, o ex-Beady Eye Jay Mehler (que chamou atenção de muitos presentes pela semelhança com Noel) e Barrie Cadogan, ocupando o lugar do também ex-Oasis Paul “Bonehead” Arthurs, afastado para tratar de um câncer. As duas cantoras de apoio Frida Touray e Holly Quin-Ankrah reproduzem alguns dos backing vocals que o Gallagher mais velho executava, além de adornar as canções recentes. A trupe se completa com Drew McConnell no baixo, Dan MacDougall na bateria e Christian Madden nos teclados e piano.
No palco, Liam continua com sua pose de rockstar marrento, mas hoje em dia é muito mais manutenção do personagem que o consagrou. E é possível verificar que está até um pouco mais acessível.
O show de Liam Gallagher é a reafirmação da força incontestável das canções de sua antiga banda. Cover de si próprio? Sob um olhar mais cínico até pode ser, mas o desiderato é deixar o público feliz, sobretudo quem não teve a oportunidade de ir a um show do Oasis, o que confere nobreza à causa. Seus novos trabalho não gozam do mesmo prestígio junto à crítica especializada dos discos solos do irmão (que de fato é melhor compositor), mas possuem seu mérito. Se à frente do Oasis Liam reverenciava os Beatles e outros principais pilares do rock inglês (David Bowie, T. Rex, Sex Pistols, The Jam), agora ele próprio é um dinossauro do rock. E se sente bastante à vontade no posto.
Fotos: Bárbara Furtado e Dantas Jr.
Fonte: Ambrosia