Com a atualização da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) no Congresso Nacional e a previsão do salário mínimo chegando a R$ 1.294 em 2023, surge a preocupação em torno do aumento do número de contribuintes que entrarão na faixa de recolhimento mínimo do Imposto de Renda (IR) a partir do próximo ano.
Dados do Ministério do Trabalho e Previdência apontam que, em Mato Grosso do Sul, 3,5 mil passarão a declarar o imposto.
Caso não haja correção até o fim deste ano, trabalhadores que ganham um salário mínimo e meio, ou acima de R$ 1.903,98, terão descontados R$ 2,77 por mês direto na fonte, além de serem obrigados a declarar os ganhos no ano subsequente para a Receita Federal, por meio da declaração de IR.
De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), 254.672 vínculos recebiam remuneração de exatamente 1,5 salário mínimo no Brasil no ano-base 2020. Em Mato Grosso do Sul, o número é de 3.522 vínculos.
Supervisora técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese), Andreia Ferreira ressalta que a falta de correção da tabela do IR criou um problema adicional para quem recebe baixos salários.
“A situação já era complicada em um ambiente com crescimento da inflação, então isso penaliza mais as pessoas com baixa renda, seja por benefícios previdenciários, seja pelo trabalho (informal e formal, já que o salário mínimo é determinado por lei), porque não tem como escapar do pagamento dos impostos”, analisa.
Com a tabela congelada desde 2015, de junho daquele ano até junho de 2022, a inflação atingiu 50,96%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Caso tivesse acompanhado o medidor oficial, a tabela do IR partiria de um salário de R$ 2.872,72.
Atualmente, tramita no Congresso a reforma tributária que prevê a correção da tabela, com ponto de partida em ganhos mensais de R$ 2.500,00. No entanto, a proposta está parada. Caso seja aprovada, o governo federal estima que cerca de cinco milhões de pessoas entrariam na faixa de isenção.
REFORMULAÇÃO
Doutor em Economia, Michel Constantino concorda com a economista do Dieese e diz que a atualização da tabela é um assunto urgente.
“A partir do Projeto de Lei nº 2.337/2021, há uma boa previsão dessa atualização, porém, como o PL é praticamente uma reforma tributária, o Senado e a Câmara acabaram discutindo pontos de forma individual”, explica.
Entretanto, Andreia Ferreira ressalta que o sistema tributário do Brasil é muito mais complexo do que apenas corrigir a tabela. “Embora neste momento já ajuda bastante’’, pontua.
Conforme Cloves Silva, presidente do Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Estadual de Mato Grosso do Sul (Sindifisco-MS), o valor a ser instaurado é considerado como uma carga tributária a mais para o trabalhador de menor renda.
“Se isso se confirmar, não tem lógica nenhuma. Onde imaginaríamos que um salário mínimo e meio teria de fazer declaração de Imposto de Renda? Se continuar assim, daqui alguns dias vai chegar no mínimo e até os benefícios vão pagar o imposto, não tem lógica”.
Silva diz ainda que quem acaba mais onerado é o trabalhador de baixa renda. “Com auxílios e aumento de despesa com intuito unicamente eleitoreiro, no fim das contas, o próprio trabalhador paga essa conta”.
Quanto mais a tabela fica congelada, mais o governo arrecada com a inflação. Em entrevista ao jornal Estado de São Paulo, o presidente da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Mauro Silva, revela que a cada 1 ponto porcentual de inflação não corrigido na tabela são mais R$ 2 bilhões por ano nos cofres do governo.
DIVIDENDOS
Dessa forma, acaba se criando uma distorção na balança tributária das rendas. “Enquanto isso, quem ganha milhões e retira altos lucros de dividendos não paga nada. Estamos vendo nosso sistema jurídico tributário virar de cabeça para baixo”, afirma o presidente do Sindifisco.
Segundo os especialistas, a maior mudança viria no caso de taxação de lucros e dividendos. O tema é quase unânime.
Somente em 2021, um dos maiores investidores pessoa física do Brasil, Luiz Barsi, recebeu cerca de R$ 370 milhões em dividendos de empresas listadas na B3, a Bolsa de negociação brasileira. O mais impressionante é que nem um real desse dinheiro foi tributado.
Em 2021, o tema foi discutido no Congresso Nacional, mas foi derrubado depois de esforços da classe empresarial e agentes do sistema financeiro.
Para o fiscal tributário e ex-presidente do Sindicato dos Fiscais Tributários do Estado de Mato Grosso do Sul (Sindifiscal-MS) Francisco Carlos de Assis, é necessário que nos alinhemos ao que é praticado internacionalmente.
“Isso é um descompasso. O Brasil faz companhia à Lituânia e Estônia como os únicos três países que não tributam lucros e dividendos. É preciso que além da atualização da tabela a reforma tributária seja vista no Congresso Nacional e essas injustiças sejam corrigidas”, ressalta.
Andreia ressalta que a alta da inflação é melhor absorvida pelas maiores rendas. “O impacto no aumento dos preços, como de alimentação, moradia e transporte, por exemplo, tende a ser melhor absorvido, ao contrário das pessoas com baixa renda”, finaliza.
2.000% de diferença
A falta de correção da tabela do Imposto de Renda combinada com o aumento da inflação no Brasil tem gerado um aumento histórico da tributação sobre a população com menor poder aquisitivo.
Essa é a conclusão tirada de um estudo feito pelo Sindifisco Nacional, que representa os auditores-fiscais da Receita Federal.
De acordo com uma simulação feita pela entidade, uma pessoa que recebe R$ 5.000, após deduções paga atualmente R$ 505,64 de IR. Se toda a defasagem da tabela fosse corrigida, esse valor cairia para R$ 24,73, uma diferença de quase 2.000%.
FONTE: CORREIO DO ESTADO