O STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu nesta quarta-feira (8) desobrigar as operadoras de planos de saúde de custear, com a possibilidade de exceções, procedimentos não incluídos na lista de cobertura estabelecida pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

O tribunal entendeu ainda que a operadora não é obrigada a bancar um procedimento se houver opção similar no rol da ANS. Em não havendo substituto terapêutico, poderá ocorrer, em caráter excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo profissional de saúde responsável.

A decisão, que afeta milhões de usuários de planos, é favorável às empresas que atuam no setor e altera um entendimento predominante há mais de duas décadas no Judiciário, a partir de demandas individuais levadas a diferentes instâncias contra negativas de atendimento.

Iniciado em setembro do ano passado e interrompido por duas vezes desde então, o julgamento foi retomado nesta quarta pela segunda seção do tribunal. Foram seis votos a três em prol da tese defendida pelos planos de saúde.

A lista da ANS estabelece a cobertura assistencial a ser garantida pelos planos privados. É chamada de Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde. A primeira versão foi editada em 1998 e, desde então, sofreu atualizações para incorporar novas tecnologias em saúde.

A corte superior avaliou se o documento deve ser exemplificativo ou taxativo. Por taxativo, entende-se que é restrito, sem margem interpretativa. Na modalidade exemplificativa, funciona como referência mínima e outras obrigações podem ser acrescidas para atender as necessidades dos pacientes.

Decisão de um colegiado do mesmo STJ já havia definido que o rol tem caráter exemplificativo. Porém, em, 2019, entendimento em sentido contrário foi fixado, motivando, agora, o debate mais amplo.

Entidade que reúne 13 grupos empresariais que operam planos de saúde no Brasil, a FenaSaúde defendeu o modelo taxativo do rol da ANS.

Em manifestação anexada ao processo por advogados do escritório Sergio Bermudes, que a representa, argumentou que tal modalidade garante ao setor o equilíbrio atuarial “sob pena de inviabilização do serviço, em prejuízo a todos”.

“Se nem o Estado, a quem a Constituição Federal atribuiu o dever de cuidar da saúde de todos, está obrigado a fornecer indiscriminadamente medicamentos”, afirmaram os advogados, “não há qualquer razão para que obrigações dessa mesma natureza – fornecimento e custeio de procedimentos – recaiam, sem qualquer restrição, às operadoras e seguradoras”.

Relator do caso, o ministro Luís Felipe Salomão entende que a lista deve ser taxativa, mas considerou a possibilidade de hipóteses excepcionais. Frisou que o rol taxativo é adotado em diversos países, como Estados Unidos, Japão e Inglaterra.

O magistrado afirmou que esse modelo protege os beneficiários dos planos de aumentos excessivos uma vez que a segurança jurídica dada às operadoras evita o repasse de custos adicionais. De acordo com Salomão, a lista mínima obrigatória é garantia de preços mais acessíveis.

“Considerar esse mesmo rol meramente exemplificativo representaria, na verdade, negar a própria existência do ‘rol mínimo’ e, reflexamente, negar acesso à saúde suplementar à mais extensa faixa da população”, afirmou. ​​​

Ele mencionou hipóteses excepcionais em que seria possível determinar à operadora de saúde a cobertura de procedimentos não previstos expressamente pela ANS.

Entre elas estariam terapias com recomendação expressa do CFM (Conselho Federal de Medicina) que tenham comprovada eficiência para tratamentos específicos.

Como exemplo está o caso de um dos recursos analisados pelo STJ. O autor da ação pleiteou a cobertura do tratamento de EMT (estimulação magnética transcraniana), prescrito pelo psiquiatra para um quadro depressivo grave e esquizofrenia.

Salomão entendeu que a excepcionalidade da situação autorizava a determinação de cobertura, pela operadora, de procedimento não previsto no rol de procedimentos.

Segundo o ministro, o CFM passou a reconhecer a eficácia da EMT, com indicação para doenças psíquicas e no planejamento de neurocirurgias. Ele também ressaltou estudos científicos que demonstram a indicação do tratamento nas situações em que o paciente não responde adequadamente à intervenção com medicamentos antidepressivos.

Para reforçar a argumentação, o relator lembrou que medida provisória nº 1.067/2021 explicitou que a amplitude da cobertura no âmbito do sistema de saúde suplementar deve ser estabelecida em norma editada pela ANS. A MP revisou trechos da Lei dos Planos de Saúde (9.656/1998).

Ela instituiu a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, com a missão de assessorar a agência “na identificação de evidências científicas sobre eficácia, acurácia, efetividade e segurança do medicamento, produto ou procedimento analisado”.

Os ministros Vilas Bôas Cueva, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze aderiram ao voto de Salomão.

Acompanhada pelos colegas Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro, a ministra Nancy Andrighi apresentou voto divergente ao entender que o rol da ANS tem caráter exemplificativo porque “só dessa forma se concretiza a política de saúde idealizada pela Constituição”.

Ela classificou de “utópica” a ideia de que a fixação de uma cobertura mínima, por meio de um rol taxativo, tornaria os planos de saúde mais acessíveis, sobretudo à massa de desassistidos pelas políticas públicas de assistência à saúde.

Para a ministra, o documento é uma importante referência, seja para operadoras de saúde, seja para profissionais, seja para os beneficiários. “Mas nunca como imposição genérica de tratamento, que deve ser obrigatoriamente prescrito e coberto pelo plano de saúde para determinada doença”, afirmou.

Disse que admitir o teor taxativo do rol de procedimentos seria “aceitar a exorbitância do poder regulamentar exercido pela ANS”. O que implicaria, segundo ela, demandar do consumidor “conhecimento técnico que ele, por sua condição de vulnerabilidade, não possui, nem pode ser obrigado a possuir”.

Andrighi abordou questões mercadológicas. Destacou que, a despeito do aumento das despesas das operadoras da saúde na última década, o lucro das empresas, “em torno de bilhões de reais por ano”, mais do que dobrou entre 2014 e 2018, e a receita do setor aumentou mesmo com queda no número de usuários, citando estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Em nota enviada após o veredito do STJ, o advogado Marcio Vieira Souto Costa, sócio do escritório Sergio Bermudes, afirmou que, “ao contrário de alegações divulgadas, na verdade, o rol taxativo garante o acesso a tratamentos seguros, avaliados e reconhecidos por reguladores e órgãos responsáveis pelo atendimento à saúde, a semelhança do que ocorre em todo o mundo”.

“A lista foi instituída com base em estudo técnico aprofundado, e que caberá ao Poder Executivo fiscalizar e regular os serviços de saúde”, disse Costa.

 

FONTE: CORREIO DO ESTADO