Em Mato Grosso do Sul, o índice de abstenção nas eleições, episódio que ocorre quando o eleitor voluntariamente desiste do direito político, não indo às urnas, tanto nas disputas municipais quanto estaduais, tem crescido a cada pleito.
Em Campo Grande, por exemplo, dos 612.417 eleitores, 25,14% ou 154 mil não foram votar. Quatro anos antes, em 2016, à época com 595.174 votantes na cidade, o chamado índice de abstenção bateu a casa dos 19,20%, ou seja, 114.287 não foram aos locais de votações.
E por que milhares de eleitores querem distância das zonas eleitorais? O Correio do Estado ouviu dois sociólogos e professores, Daniel Miranda e Paulo Cabral.
“Tem um pouco de tudo, mas podemos pensar o seguinte: como a abstenção é relativamente estável, provavelmente é mais desinteresse com as eleições em geral [e com os políticos também]”, afirmou Daniel Miranda.
Paulo Cabral concorda com o colega e acrescenta: “A abstenção cresce onde há uma marca forte de rejeição”, ou seja, para o professor, menos eleitores ou eleitoras vão votar quando julgam a índole do candidato como “ruim”.
A abstenção cresceu também nos dois últimos sufrágios estaduais, período de eleição de governador, deputados estaduais e federais e senadores.
Em 2014, por exemplo, ano em que o governador Reinaldo Azambuja (PSDB) venceu o seu primeiro mandato. Naquele ano, dos 1,8 milhão de eleitores, 373,3 mil (20,53%) deram às costas para as eleições.
Quatro anos depois, em 2018, com 60 mil eleitores a mais no pleito eleitoral, a abstenção subiu para 21%, o que quer dizer que 398,3 mil eleitores não votaram.
O sociólogo Daniel Miranda assim interpreta a questão: “Provavelmente, as pessoas que se abstém [não votam] avaliam que não fará diferença se o candidato ou o partido ‘x’ ou ‘y’ vencer. Se não faz diferença, então, por que ir votar?”.
“Além disso, quando as pessoas avaliam [corretamente ou não] que a eleição já está ‘decidida’, elas tendem a se abster mais também, pelo mesmo motivo: ‘Meu voto não fará diferença, não mudará nada, então, não vou’”, explicou Miranda.
Já para o sociólogo Paulo Cabral, “o eleitor se desencanta com a política. Na realidade, as pessoas necessitam de salvador da pátria e, depois, descobrem que não há salvador da pátria. A questão da corrupção também pesa [na abstenção]. Na eleição que passou, por exemplo, votaram no Bolsonaro [presidente] vendo nele o salvador da pátria. Depois surgiu o Moro [Sergio Moro, ex-juiz federal que chegou a ocupar a condição de pré-candidato à Presidência] como o paladino da moralidade. E não há paladino da moralidade. Vai surgindo a crise de representatividade, vai minando”, disse Cabral.
NOVO PLEITO
Cabral disse ainda que nas eleições presidenciais, em outubro, ao menos no primeiro turno, o índice de abstenção não deve crescer porque, em jogo, “está a sobrevivência da democracia”.
Outra questão, disse o professor, que pode dar uma freada na abstenção tem a ver com a polarização Lula versus Bolsonaro na disputa pela sucessão. Com a briga acirrada entre os pré-candidatos, segundo o sociólogo, mais eleitores devem votar.
E o voto nulo, aquele que o eleitor tecla número aleatório na urna, ou em branco, quando diz não votar em nenhum candidato, é a mesma coisa que não ir à votação?
O professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Daniel Miranda diz que depende.
“Ao que tudo indica, a abstenção não é necessariamente maior em dada faixa do eleitorado, ela tende a ocorrer no eleitorado como um todo, ou seja, afeta o eleitor potencial de todos os candidatos”.
“Há situações excepcionais nas quais a abstenção pode prejudicar certo candidato: houve uma eleição [São Paulo, em 2016] na qual o PSDB fez um apelo para as pessoas viajarem somente depois de votar [era um fim de semana prolongado e o medo do partido era de que seus eleitores de classe média e alta preferissem viajar a votar, o que poderia prejudicá-los]. Mas isso é exceção, não regra. A indiferença está mais ligada à abstenção”.
Ainda de acordo com a análise do sociólogo, se a pessoa vai e vota em branco é porque não foi indiferente o suficiente para ignorar as eleições.
“Ela se importou em ir e registrar seu descontentamento. Já nulo, em sua maioria, é erro. Então, são três situações diferentes, em geral”, finalizou o professor.
A reportagem do Correio do Estado quis saber a opinião de representantes de quatro dos principais partidos com pré-candidatos ao governo de MS para debater o assunto, contudo, até o fechamento desta edição, nenhum havia se manifestado.
SAIBA
O voto, pela legislação, é obrigatório em todo o País. Contudo, o eleitor é livre para não escolher candidato algum.
É, sim, obrigado a comparecer às urnas, mas pode optar por votar em branco ou anular o voto, se achar que não se identifica ou não simpatiza com os candidatos. E, caso se abstenha do pleito, precisa justificar o motivo à Justiça Eleitoral.
FONTE: CORREIO DO ESTADO