Em entrevista ao Correio do Estado, o secretário municipal de Segurança e Defesa Social (Sesdes) de Campo Grande, Valério Azambuja, salientou que a Capital enfrenta um problema sério de furtos de metais em locais públicos e privados.
Para ele, a situação se mantém justamente porque estabelecimentos legais e ilegais de ferros-velhos fazem a receptação dessas “mercadorias”.
Pensando nisso, o titular da pasta de Segurança relatou à reportagem que um decreto aumentando a penalidade para os envolvidos na receptação desses materiais está sendo estudado e deve ser publicado nas próximas semanas.
“Identificamos mais de 115 locais de comércio de ferro-velho legalizados em Campo Grande e outros tantos ilegais. Estamos trabalhando para fazer uma regulamentação da pena pecuniária, começando já em R$ 20 mil, e ele só vai poder continuar funcionando se ele recolher para o município”.
E acrescentou, “além de poder haver uma penalização na qual o comércio ficará fechado por 10, 20, 60 dias e, em caso de descumprimento da penalidade, será feito o recolhimento permanente do Alvará”, esclareceu Azambuja.
Valério Azambuja – Perfil
Valério Azambuja é bacharel em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Ingressou na Polícia Federal em 1989 e aposentou-se em 2014.
Em 2013, assumiu o seu primeiro cargo na área de segurança pública municipal, na cidade de Ponta Porã, vaga que ocupou até 2014.
No ano de 2015, Valério tornou-se secretário municipal de Segurança Pública em Campo Grande, cargo no qual permanece atuando.
Qual a importância de os municípios terem uma Secretaria de Segurança Pública? O que muda na vida da população?
Ponta Porã foi a primeira cidade de Mato Grosso do Sul a criar uma secretaria municipal que trata do tema segurança pública especificamente. Ela tem vários ganhos, primeiro, você tem um secretário ou um agente público que é especialista na área.
Segundo ponto, quando você tem uma estrutura orgânica, no caso daqui, em que a administração do município é composta de 19 secretarias e outras agências municipais, você tem a previsão legal de fazer convênios com o governo federal diretamente, via Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública, Secretaria Nacional Antidrogas, Fundo Nacional de Segurança Pública, enfim, isso te abre essa possibilidade legal para trazer recursos para o município.
Terceiro ponto, uma vez tendo essa secretaria de forma legal administrativa, você tem um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) de um fundo municipal de segurança pública, uma conta especial, em que as secretarias celebram convênios.
Exemplo aqui de Campo Grande, onde celebramos dois convênios, um com o Detran, no ano passado, em torno de R$ 1,1 milhão diretamente para esse fundo, para investir na questão do trânsito, prevenção, compra de equipamento e campanha educativa.
Além de fazer convênios com os órgãos estaduais e federais, com essa parceria por meio do fundo municipal de segurança com a iniciativa privada, você pode celebrar convênio para receber recursos, doações para o fundo municipal de segurança pública.
Então, você tem uma gama de benefícios quando você trata a segurança do município com uma estrutura administrativa formal, aqui temos uma corregedoria própria que cuida da questão legal de disciplina dos guardas municipais.
Qual o montante de investimentos na segurança de Campo Grande nos últimos anos por meio da Secretaria Municipal de Segurança?
Nos últimos anos, investimos mais de R$ 10 milhões em Campo Grande.
Então, vemos a importância de se investir na segurança pública municipal quando observamos que nossa cidade está com um baixíssimo índice de criminalidade, se destaca em ações de combate e é reconhecida como uma das capitais mais seguras do Brasil.
Nosso estado tem 79 municípios, todos têm delegacia e Batalhão da Polícia Militar? Não. Sei disso porque trabalhei em Ponta Porã por 15 meses e lá tem um batalhão que atende Amambai, Antônio João, toda a região desses pequenos municípios. Então, onde tem investimento na segurança local a população ganha qualidade de vida.
Juntando todos esses fatores, temos hoje uma cidade segura, em que você pode sair às 23h de casa, cruzar a cidade e parar em todos os semáforos que ninguém vai bater no vidro do seu carro com um revólver e te assaltar.
Campo Grande registrou um aumento de furtos no último ano, o que explica esse crescimento da ação criminosa? Como a secretaria tem atuado para combater esse aumento? Existem ações sendo realizadas?
Isso aconteceu pelo aumento da mobilidade, as pessoas passaram a se movimentar mais e suas residências ficaram sem ninguém.
Houve um aumento de alguns tipos de crimes que durante a pandemia de Covid-19 não foram verificados, como o furto de cabos de eletricidade, grelhas de bocas de lobo e tampa de bueiros, por conta da valorização desses materiais.
De agosto de 2021 até maio deste ano, fizemos mais de 20 operações para combater furtos e receptações desses materiais. Com a valorização dos metais, os moradores em situação de rua, principalmente os mais vulneráveis e dependentes químicos, começaram a recorrer a esse tipo de crime para conseguir dinheiro.
Vamos deixar bem claro, essa questão dos moradores em situação de rua e dos dependentes químicos são pessoas que o poder estatal, seja ele estado, seja município, tem a obrigação legal de acolher e encaminhar para um local seguro.
Apenas depois do furto que ele passou a ser uma questão de segurança pública. Mas, se não houver nenhum crime, é um problema social e de segurança pública.
E como temos trabalhado? Nos últimos 12 meses, identificamos um certo número de pessoas que moram na rua, dessas pessoas, 95% são dependentes de álcool ou de entorpecentes, seja crack, cocaína, maconha, em um nível bastante elevado.
E outra coisa que agrava também esse fator de as pessoas estarem nas ruas é que não existe uma lei, no município ou no Estado, que fale que elas podem ser encaminhadas de forma compulsória para um Capes ou uma clínica.
Se elas não quiserem receber ajuda, não podemos obrigá-las. Só que elas têm recurso? Não, então o que elas fazem? Furtam, correm perigo de vida, como já aconteceu de um homem perder a vida quando tentou furtar o Parque Ayrton Senna em 2020. Uma situação lamentável.
Como consequência, para alimentarem o vício nas drogas, as pessoas recorrem ao furto. Mas elas só estão fazendo isso nessa escala porque apareceram os ferros-velhos que fazem a receptação desses metais e materiais roubados.
A maioria dos ferros-velhos que compram esse material de furto é clandestina, não conta com CNPJ, autorização para funcionamento, então elas alimentam esse cenário. E nesses 12 meses de operações identificamos mais de 115 comércios de ferro-velho legalizados em Campo Grande e outros tantos ilegais.
Quando encontramos esses produtos, aí é caracterizado que aquilo é produto de furto, então, nesses casos, levamos o proprietário para a delegacia, prisão em flagrante. Também são aplicadas multas e interdição, essas fiscalizações fazem parte da Operação Ferro-Velho. Estamos realizando operações de fiscalização duas vezes por semana, nas sete regiões de Campo Grande.
Não identificamos ferros-velhos na região central do município, 50% dos ferros-velhos estão na região do Córrego Anhanduí. Com as fiscalizações, tivemos uma redução boa no tal do receptador, foram presos, multados, mas ainda temos problemas com a iluminação pública e com os semáforos.
E o que estamos percebendo também é que, com o fechamento dos ferros-velhos ilegais, os que estão legalizados estão começando a comprar metais furtados. Esses furtos têm causado um grande gasto aos cofres públicos, além de prejuízo para as residências que estão sendo invadidas. Temos recebido muitas ligações de denúncias.
Moradores de bairros como Jockey Club têm protestado pedindo mais segurança nessas localidades por conta da frequente invasão às residências. Como a secretaria tem atuado para assegurar a população? Há algum projeto sendo estudado para reforçar a segurança dos bairros das sete regiões de Campo Grande?
O furto em residência vai além dessa questão do cabeamento. O cidadão que invade uma casa vai levar mais do que fios, torneiras, bombas de água, produtos menores, eletrodomésticos, e aí o prejuízo é maior. O que pode ser feito além do que já estamos realizando é o endurecimento da legislação.
No caso dos ferros-velhos, está em processo de estudo pela Procuradoria Jurídica do Município um novo decreto aumentando essa questão da pena para os receptadores dos ferros-velhos.
Hoje, você tem uma multa de imediato que a própria Semadur aplica se encontrar alguma irregularidade em um determinado comércio. Estamos trabalhando para fazer uma regulagem da pena pecuniária para que ela comece já em R$ 20 mil, e ele só vai poder continuar funcionando se ele recolher para o município.
Outra medida é referente à documentação. O poder público municipal emite Alvará de funcionamento de qualquer comércio, pode haver uma penalização na qual o comércio fique fechado por 10, 20, 60 dias e, em caso de descumprimento da penalidade, seja feito o recolhimento permanente do Alvará.
Estamos estudando essas medidas e acreditamos que vai reduzir bastante o número de receptores.
Isso poderá entrar em vigor por decreto ou projeto de lei na Câmara Municipal, para colocar as forças de segurança, seja Guarda, Agetran, Semadur, Vigilância Sanitária, trabalhando 24 horas. Talvez não acabem por completo os furtos, mas vão diminuir bastante.
Como se deu a resolução dos furtos em cemitérios públicos de Campo Grande? Ainda há muito a se fazer?
Houve um controle nos cemitérios públicos de Campo Grande. Santo Amaro, Santo Antônio e o Cruzeiro são áreas muito grandes, com muros baixos, fundos abertos, isso é um problema que facilita ações de furtos.
Mas o que foi feito melhorou a iluminação e a limpeza, isso é um ponto crucial, além de rondas de hora em hora. Então, a solução para os cemitérios é, ou você investe milhões para colocar seguranças de muros, ou você faz como a maioria das capitais fez, terceirização.
Fonte: Correio do Estado