Atualmente, Campo Grande tem mais de oito mil crianças residindo em favelas, desses, 70% enfrentam a pobreza monetária extrema, informou a coordenadora da Central Única das Favelas de Campo Grande (Cufa), Letícia Polidorio.
“Esse número já é diferente em 2022, mas, em 2021, atendemos oito mil crianças pela Cufa e posso dizer que 70% vivem em extrema pobreza, com insegurança alimentar. Em muitos casos, não há nenhum tipo de saneamento básico ou moradia segura”, esclareceu.
Na definição do Banco Mundial, pobreza extrema significa viver com menos de US$ 1,90 por dia, e pobreza monetária, com menos de US$ 5,50.
No Brasil, a referência usada é de R$ 492 por mês como limite para a pobreza monetária e R$ 170 para a pobreza extrema.
Um estudo feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) com dados de 2020 e 2021, aponta que a pandemia da Covid-19 foi um agravante no cenário nacional, que conta com 39% das crianças e dos adolescentes brasileiros vivendo em pobreza monetária e 10% em pobreza extrema.
“A pandemia trouxe esse agravamento e o pós-pandemia a gente sente como se fosse um cenário de pós-guerra, porque as coisas ficaram muito difíceis”, disse Letícia Polidorio. Raphaela Dias Silva, 30 anos, vive na comunidade Lagoa, na Capital. Com seis filhos e seu marido compondo o núcleo familiar, disse à reportagem ser desesperador ter uma renda mensal de R$ 450 para toda família. Ou seja, a renda per capita mensal de sua família é de apenas R$ 56,25.
“Vivemos com o básico, o alimento é arroz e feijão. A situação é tão difícil que para eles comer peixe já é algo maravilhoso, então vão ali no rio pescar quando podem. Mas agora nem isso acontece mais, porque nas últimas vezes encontraram uma sucuri, então proibimos”, contou.
Com a renda, Raphaela diz que não há espaço para nada além do essencial. “Não compramos roupas, não passeamos e não compramos presentes nas datas especiais. Na quinta-feira [7], minha filha voltou da escola toda feliz falando que comeu pipoca e tomou refrigerante”, relatou.
Mas o problema enfrentado pelas crianças vai além, a líder da comunidade, Rosana do Amaral, 44 anos, relatou à reportagem do Correio do Estado que frequentemente as crianças passam mal por falta do tratamento de água e por viverem em meio a um duto de esgoto.
“Já pedimos ajuda do poder público, mas nada nunca é feito, essa água que consumimos aqui já foi testada, e ela é contaminada. Precisa de tratamento, mas não adianta irmos atrás, ninguém se importa, as crianças são internadas com vermes toda semana, vivem com diarreia e vômitos”.
A reportagem tentou contato com a Águas Guariroba, mas não obteve respostas até o fechamento desta edição.
No entanto, em uma entrevista em outubro de 2021, a concessionária responsável pelo fornecimento de água em Campo Grande disse que para se obter a universalização do saneamento básico é necessário que a cobertura da área urbana com o serviço de esgoto em execução seja de 92% a 95%. De acordo com a Águas Guariroba, Campo Grande possui cobertura de esgoto de 82,6%.
Moradora da comunidade do Mandela, Janaina Lima da Costa, 29 anos, é mãe solo de quatro crianças e conta que durante a pandemia ficou desempregada e até então estava vivendo com os filhos apenas com o dinheiro que recebia do Auxílio Emergencial.
“Foi a fase mais difícil que passei com as crianças, vivemos com pouco, mas, na pandemia, foi ainda mais desesperador. A doença, o aumento do preço das coisas, me vi perdida, e faz apenas um mês que arrumei um emprego. Espero que as coisas comecem a melhorar daqui em diante”, contou.
EDUCAÇÃO
No dia em que Janaina deu entrevista à reportagem, ela contou que dois dos quatro filhos estavam sem poder ir à escola por falta de material.
“Quando as aulas começaram, eu fiquei esperançosa e aliviada, pois sabia que eles ganhariam o kit com os materiais que eu não tive condições de comprar. Mas até agora não entregaram nada, e por isso não estão indo para a escola”, afirmou.
A mãe conta que aguarda ansiosa pelo dia em que ações de ajuda para crianças serão criadas pelos governos.
“Eu acho que o município e o Estado deveriam olhar para elas, porque hoje não há nenhum suporte, como será o futuro delas, será que um dia eles terão a chance de entrar em uma faculdade? Eu quero acreditar que, sim, mas é difícil sonhar sozinha”, desabafou.
FONTE: CORREIO DO ESTADO